A experiência das trabalhadoras de serviços de limpeza durante a pandemia

Um projeto coordenado pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP), que contou com a participação do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP), do Instituto de Sociologia da Universidade do Porto (ISUP) e da Faculdade de Engenharia da U.Porto, mapeou as dificuldades sentidas pelas trabalhadoras dos serviços de limpeza, durante a pandemia de COVID-19. 

O projeto designado Limpezas em tempo de pandemia: entre a precariedade e os riscos na saúde das trabalhadoras dos serviços de limpeza, surgiu com a finalidade de compreender os riscos a que estiveram expostas estas mulheres durante o exercício da sua profissão, e perceber se houve um agravamento das suas condições de trabalho, geralmente marcadas pela precariedade, durante o período em causa. Paralelamente, pretendeu-se compreender que comportamentos adotaram estas profissionais para prevenir a transmissão da COVID-19 no seu local de trabalho e conhecer o impacto da pandemia na sua saúde mental e bem-estar.

Verificou-se, por exemplo, que metade das mulheres auscultadas sentem que a sua profissão as coloca em risco de contrair COVID-19 e que, desde o início da pandemia, 62% se sentiram agitadas ou facilmente alarmadas. Um número significativo de mulheres revelou ter patologias que constituem fatores de risco para o desenvolvimento de manifestações mais graves em caso de infeção, como doenças cardiovasculares, diabetes e doenças crónicas do sistema respiratório, e a maioria indicou preocupação com a eventualidade de não conseguir cuidados médicos em caso de necessidade.

A importância do projeto

Aquando do início da pandemia, as atividades de limpeza emergiram como um setor estratégico e crítico para um adequado funcionamento dos restantes setores de atividade.

“Após a declaração do primeiro estado de emergência no país, as trabalhadoras dos serviços de limpeza viram a sua atividade profissional intensificar-se, sobretudo nos setores críticos de resposta à pandemia, como é o caso das unidades hospitalares e edifícios comerciais e públicos. Desta forma, esta foi uma das classes profissionais que mais risco correu de contrair a infeção”, explica Isabel Dias, Professora na FLUP e coordenadora do projeto.

“Estas mulheres exercem uma profissão que tem pouca visibilidade, não aparecendo incluídas entre os grupos profissionais socialmente reconhecidos pela relevância das suas tarefas. Assim, quisemos compreender se a pandemia de COVID-19 contribuiu para agravar as condições de trabalho destas profissionais e se estas mulheres estiveram mais expostas ao risco de contrair a infeção, por necessidade de continuarem a trabalhar, durante os períodos de confinamento”.

Para avaliar os impactos da pandemia de COVID-19 nas trabalhadoras deste setor, os investigadores realizaram questionários presenciais a uma amostra de 436 mulheres, da região Norte do país, entre o período de 3 de novembro de 2020 e 17 de maio de 2021.

As mulheres a quem foi aplicado o inquérito por questionário exerceram atividades de limpeza em setores que continuaram ativos durante os períodos críticos da pandemia:  hospitais, várias faculdades da Universidade do Porto, edifícios do sistema judicial da região norte do país, grandes superfícies comerciais, e empresas responsáveis pela manutenção dos transportes públicos da região.

O inquérito administrado cobria aspetos relacionados com as condições de saúde destas mulheres, as suas atitudes preventivas face à COVID-19, perceções sobre a pandemia, condições de trabalho e, ainda, dados sociodemográficos para caracterizar o seu perfil.

O retrato da situação profissional e de saúde das trabalhadoras de limpeza

Entre as 436 trabalhadoras inquiridas, concluiu-se que metade trabalha seis ou mais dias por semana. Cerca de um terço destas mulheres trabalhou sempre no setor das limpezas, das quais 48% começou a trabalhar antes de completar os 18 anos de idade.

A maior parte das participantes tinham idades compreendidas entre os 51 e os 60 anos de idade – o que revela a presença de mão de obra feminina mais envelhecida neste setor do que na população portuguesa – e possuía apenas os ensinos primário e básico completos.

Quando questionadas sobre as medidas de proteção adotadas durante a pandemia, mais de 95% das trabalhadoras afirmou ter utilizado sempre máscara de proteção e lavado as mãos com frequência. Contudo, por distração ou reflexo, continuaram a tocar na boca, olhos e nariz. O cuidado no manuseamento da farda foi a única medida de higiene a não ser desempenhada frequentemente, “o que poderá estar associado ao número limitado de fardas disponibilizadas às trabalhadoras”, afirma Isabel Dias.

De acordo com as mulheres auscultadas, as medidas de proteção com um custo mais elevado, como a alteração no funcionamento dos turnos de trabalho, a promoção de ações de formação profissional e o transporte das trabalhadoras para o local de trabalho foram menos implementadas.

Quanto ao impacto da pandemia na saúde mental e no bem-estar das profissionais, verificou-se que um número substancial se encontrava num grau de preocupação muito elevado face às potenciais consequências da situação pandémica.  Mais de três quartos revelaram muita preocupação com a possibilidade de a COVID-19 ter consequências muito graves para a sua saúde e cerca de dois terços estavam muito preocupadas com a possibilidade de morrerem de complicações provocadas pela doença.

62% afirmaram ter-se sentido agitadas ou facilmente alarmadas, desde o início do primeiro confinamento. 61% sentiram-se mais cansadas e exaustas e 22% revelaram ter sofrido ataques de pânico. O cenário que mais perturbava as inquiridas era a eventualidade de não conseguirem cuidados médicos em caso de necessidade, seguido da possibilidade de terem de ficar em quarentena e da preocupação com a segurança das pessoas mais próximas.

No que toca o perfil de saúde das participantes no estudo, 24% referiu ter algum tipo de doença cardiovascular, 8% indicou ter diabetes, e 14% mencionou sofrer de doença crónica do sistema respiratório, patologias que constituem fatores de risco para o desenvolvimento de manifestações mais graves em caso de infeção.

Os resultados alcançados indicam, também, a predominância de vínculos precários de trabalho entre estas mulheres. Cerca de 40% das trabalhadoras é contratada em regime de trabalho a tempo parcial, a maioria através de empresas do setor dos facility services, que prestam serviços em variados locais e setores de atividade. “Esta modalidade de trabalho é proporcionalmente inversa a uma condição de estabilidade laboral e a todas as garantias que lhe são intrínsecas”, afirma a investigadora.

De notar que a maioria das mulheres indicou ter permanecido com o mesmo horário de trabalho, devido à pandemia, ou ter visto as suas horas laborais serem reduzidas, o que implicou também um corte salarial. No geral, as profissionais referiram ter tido um aumento do ritmo de trabalho dentro das mesmas horas contratadas.  Metade avalia o seu trabalho como mais arriscado do que a maioria das profissões, no que toca o risco de contrair a COVID-19.

Recomendações para a melhoria das condições de trabalho destas profissionais

Face aos resultados do estudo, que evidenciam um agravamento das condições laborais das trabalhadoras de limpeza, devido à COVID-19, os investigadores apresentam uma série de recomendações direcionadas aos empregadores, aos seus clientes e também aos dirigentes políticos.  

“Uma das sugestões é a elaboração de programas de formação dirigidos aos superiores hierárquicos das trabalhadoras e aos clientes, para que consigam atender às especificidades sociodemográficas deste grupo profissional e às suas condições de trabalho”, esclarece Isabel Dias.

Para além disso, os investigadores destacam a aposta na intensificação de sessões de formação de curta duração para as profissionais de limpeza. Estas sessões devem ter em conta, não só as especificidades dos serviços de limpeza e dos produtos a utilizar e o seu respetivo manuseamento e segurança, mas também os procedimentos e as medidas de proteção a implementar ao longo da jornada de trabalho, no contexto da COVID-19.

Com esta recomendação em mente, foram também concebidos pela equipa do projeto, uma série de vídeos informativos de curta duração, com o objetivo de explicitar as principais medidas de auto e de heteroproteção a adotar pelas trabalhadoras, nas várias fases da sua atividade profissional.

Outra das recomendações é a facilitação dos processos de comunicação entre as empresas, as trabalhadoras e os seus clientes, de forma a melhor identificar problemas relacionados com as condições adequadas de trabalho.

É igualmente recomendado o reforço dos processos de garantia de adequação das condições de trabalho e segurança às necessidades específicas dos locais de trabalho, bem como às características ergonómicas de cada género, evitando a utilização de equipamentos standard (masculinos) que deixam as trabalhadoras mais expostas ao vírus.

É ainda sugerido o aumento do conforto e segurança dos espaços comuns de descanso das trabalhadoras, melhorando a sua salubridade, luminosidade, dimensão e climatização, bem como a criação de serviços de consulta psicológica para ajudar estas mulheres a lidarem com o impacto negativo da COVID-19 nas suas vidas.

Apresentação pública dos resultados

Os resultados do projeto vão ser formalmente apresentados no dia 26 de outubro, numa sessão a decorrer em formato presencial e online, a partir das 11 horas.

O projeto Limpezas em tempo de pandemia: entre a precariedade e os riscos na saúde das trabalhadoras dos serviços de limpeza foi financiado em 30 mil euros pela FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, no âmbito do Apoio Especial Gender Research for COVID-19.

Participaram no projeto os investigadores Alexandra Lopes, João Baptista, José Azevedo e Pedro Norton, do ISPUP, Ana Sofia Maia e Pedro Marques.

 

Imagem: Pixabay/Khaligo

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