20 anos da Geração XXI – Nascer e Crescer no início do Milénio

  • Data 10 Abril 2025
  • Categoria Coortes

A 10 de abril, completa 20 anos a primeira participante cujos pais aceitaram partir nesta viagem a que chamamos coorte Geração XXI.  Há 20 anos, começamos a acompanhar 8647 bebés – e as suas famílias –  nascidos entre abril de 2005 e agosto de 2006, nas maternidades públicas da Área Metropolitana do Porto.

A Geração XXI, essa imensa equipa de crianças nascidas no início deste milénio, foi constituída com o intuito de caracterizar o desenvolvimento pré-natal e pós-natal, identificar os fatores que o promovem, de modo a melhor perceber o estado de saúde na infância, na adolescência e na idade adulta. Para contribuir desse modo na criação de um futuro mais saudável e mais feliz.

Partindo de uma avaliação inicial ao nascimento, alguns participantes foram sendo avaliados aos 6,15 e 24 meses, e todos depois convidados aos 4, 7, 10 e 13 anos de idade para uma avaliação global. Em 2023, arrancou uma nova avaliação, a dos 18 anos, que ainda está a decorrer.

A avaliação dos 18 anos

Na avaliação dos 18 anos, os participantes respondem a um conjunto de questões aplicadas por inquiridores e a um outro conjunto de questões de tópicos mais sensíveis em formato autoaplicado. À semelhança de avaliações anteriores, a equipa responsável pela recolha de dados reúne informações sobre o percurso escolar, atividade profissional, se for o caso, caracterização socioeconómica, atividade física, sono, alimentação, consumo de bebidas alcoólicas e tabaco, saúde, entre outros parâmetros. Nesta avaliação é também recolhida nova informação específica para esta faixa etária e para o contexto em que vivemos, nomeadamente informação sobre a infeção por SARS-COV-2, distúrbios alimentares, identidade de género, consumo de substâncias, saúde sexual e reprodutiva, cyberbullying, e o padrão da delinquência e vitimação. Para avaliar aspetos psicossociais e da saúde mental, são colocadas aos participantes questões sobre depressão, ansiedade, resiliência, solidão, qualidade de vida e sobre as experiências positivas e adversas na vida.

À semelhança de avaliações anteriores, os participantes GXXI fazem também uma avaliação antropométrica que inclui medição do peso, altura e perímetro da cintura e medem também a pressão arterial. É realizado ainda um exame de bioimpedância tetrapolar que permite quantificar a composição corporal, nomeadamente a quantidade de massa gorda e massa livre de gordura. A função respiratória também é avaliada, recorrendo ao exame de espirometria com prova de broncodilatação e à oscilometria. É ainda realizado um exame para avaliar o limiar de deteção e tolerância à dor, cujo estímulo de pressão é controlado pelo participante.

Esta avaliação também servirá para enriquecer o biobanco, aumentando a quantidade e diversidade de amostras biológicas. A equipa responsável irá recolher e armazenar novas amostras sanguíneas que servirão, posteriormente, para medição de parâmetros metabólicos, hormonais, genéticos e epigenéticos. Pela primeira vez, estão também a ser recolhidos e armazenados fios de cabelo, que têm várias potencialidades, entre as quais, permitem medir o cortisol (que é um marcador do stress), metais pesados e o consumo crónico de substâncias.

Está também a decorrer um segundo momento de exames na Escola Superior de Saúde do Porto, em que os participantes realizam exames mais específicos, com recurso a ultrassom e raios x, que permitem avaliar a composição corporal, o estado do fígado e dos rins e a espessura da camada intima-média da artéria carótida que é um marcador precoce de aterosclerose. Tendo os participantes mais de 18 anos anos, estes exames podem já revelar alterações preditoras de risco.

Quais os principais resultados obtidos até agora?

A Geração XXI, como estrutura de investigação, permitiu até agora publicar uma centena e meia de artigos científicos internacionais e mereceu dezenas de prémios que distinguiram trabalhos desenvolvidos no âmbito da coorte. A Geração XXI serviu de base ao treino de dezenas de investigadores pós-graduados e à investigação conducente às suas teses de mestrado e doutoramento. Médicos e outros profissionais de saúde usaram-na para as suas especializações.

A Geração XXI é uma fonte extraordinária de conhecimento e memória comunitária. Pela sua complexidade e dimensão, encarámo-la como missão solidária, com contributos de diferentes disciplinas científicas e o envolvimento ativo dos participantes e das variadas instituições que compõem a sociedade civil, seja no seu desenho e análise ou na disseminação dos resultados que se produzem.

A Geração XXI representa Portugal em diversos e importantes consórcios europeus de coortes de nascimentos (CHICOS, EUCONET, HabEat, ENRIECO, Lifepath, STOP, Athlete , EUCAN-Connect) e adotou desde início uma política de Acesso Aberto aos dados. Cerca de 30 publicações com autores de mais de uma dezena de países usaram a Geração XXI e constituíram-se uma plataforma colaborativa internacional.

O conjunto de informação recolhida fornece uma descrição muito pormenorizada do crescimento, desde o nascimento até ao fim da adolescência. Foram recolhidos dados únicos para acompanhar métricas de saúde (salienta-se a medição muito detalhada da utilização dos cuidados de saúde e dos seus determinantes) e de natureza social, económica e comportamental, essenciais ainda para avaliar políticas nomeadamente com efeito sanitário, ambiental ou educacional.

Sendo a componente científica central na Geração XXI, podemos desde já identificar como principais contributos:

  • a identificação dos determinantes modificáveis da obesidade;
  • a demonstração do efeito da violência parental na criação de um estado de inflamação crónica;
  • a construção social das escolhas alimentares;
  • o efeito a longo prazo do tabagismo materno, nomeadamente através de uma assinatura epigenética;
  • a influência da proximidade a espaços verdes no desenvolvimento cognitivo;
  • as causas de asma e alergia;
  • a determinação social da infeção por helicobacter pylori (e indiretamente do cancro gástrico);
  • as idades decisivas para o desenvolvimento da dor crónica e as experiências chave que permitem predizê-la.

Porque são únicas as coortes de nascimento?

Uma coorte de nascimento, como a Geração XXI, é pensada e implementada para caracterizar o efeito das exposições no período pré-natal e em diferentes momentos críticos da vida pós-natal, no desenvolvimento ao longo da vida, identificando os seus determinantes e permitindo compreender a construção da saúde na infância, na adolescência e, mais tarde, na idade adulta. A relação temporal inequívoca entre essas exposições e as suas consequências, que os estudos de coorte permitem, assegura a identificação de relações causais – ficamos a saber porquê e até por vezes como ocorrem os problemas de saúde.

As coortes de nascimento, como a Geração XXI, são polivalentes: permitem estudar múltiplas “causas” e múltiplos “efeitos”. Assim, fornecem uma visão integrada e abrangente, permitindo estudar todo o espectro das consequências de uma exposição (fator de risco) quanto todas as componentes causais de uma doença. São, entre os estudos observacionais, os que mais se aproximam do ambiente controlado de uma experiência. Finalmente, ao assegurarem produção científica de grande qualidade, fornecem a melhor evidência para justificar políticas públicas, com particular incidência nestas fases do curso de vida.

O que caracteriza a Geração XXI?

A Geração XXI constitui um esforço único em Portugal, que recrutou, entre abril de 2005 e agosto de 2006, 8647 recém-nascidos nos 5 hospitais públicos com maternidade, da área metropolitana do Porto. Estas crianças foram avaliadas, assim como as suas famílias, aos 4, 7, 10 e 13 anos de vida. Como objetivo central, a Geração XXI melhorou a compreensão das causas e dos mecanismos que estão na base da epidemia de obesidade – avaliando contributos tão diversos (mas interligados) como os do parto por cesariana, da posição social e económica, das experiências de vida adversas, da exposição ambiental, os espaços verdes e a urbanização, ou da dieta e do exercício físico. O contributo destes milhares de pessoas é absolutamente inestimável e uma lição de cidadania e altruísmo.

A Geração XXI é uma estrutura de investigação que acumulou uma quantidade incalculável de informação – tanto reportada como objetivamente medida, apoiada pela colheita e o armazenamento de uma larga diversidade de material biológico (biobanco). É premente garantir as condições para o seu acompanhamento regular e sustentado – nada justifica que se perca esta aproximação de curso de vida de um valor inestimável, capaz de soluções extremamente inovadoras para explicar a produção transgeracional dos estados de saúde.

Hoje, a Geração XXI já se constituiu como uma entidade viva, com um percurso e uma história merecedores de investigação a si dedicada. E assim se respeita e valoriza o esforço destas famílias, único em Portugal.

O que pode agora trazer a Geração XXI de novo?

Estamos a avaliar novamente os participantes Geração XXI, agora na entrada da idade adulta, reforçando os conhecimentos sobre o impacto de exposições ao longo do seu desenvolvimento e relacionando diferentes acontecimentos ou experiências de risco com o estado de saúde. Importa lembrar a evidente capacidade de inferir desta população que, embora geograficamente limitada – como são sempre este tipo de coortes, permite compreender os fenómenos de saúde e doença que investiga e assim inferir para lá de si. Especificamente, com esta avaliação dos 18 anos, queremos compreender o efeito e a adaptação destas famílias à pandemia de COVID-19 sob diferentes perspetivas na saúde, naturalmente, mas no mais largo contexto da educação, do emprego ou das relações sociais.

Perante os novos e inesperados desafios que afetaram toda a população portuguesa – fosse a crise económica e financeira, ou sobretudo a pandemia de COVID-19 – a coorte Geração XXI é um observatório ímpar para monitorização descritiva de múltiplos parâmetros de saúde, sociais, comportamentais e até organizacionais, mas sobretudo para compreender as causas da sua evolução. Esta coorte está excecionalmente bem apetrechada para responder à questão da chamada “doença pós-Covid” (Post-Covid conditions) fornecendo elementos para a sua compreensão enquanto entidade nosológica e também dados centrais para planear uma resposta dos serviços de saúde.

Podemos pôr à prova novas hipóteses para explicação de problemas de saúde, através do recurso à extensa base de informação criada no âmbito deste projeto, tanto a partir de inquéritos quantitativos ou aproximações qualitativas quanto recorrendo ao maior biobanco populacional português que com a Geração XXI se constituiu. Julgamos estar numa posição privilegiada para, finalmente, testarmos a ligação automática de registos de saúde que irá permitir um salto qualitativo e quantitativo ao acrescentar, à informação já disponível na Geração XXI, informação colhida por rotina sobre cada participante em fontes distintas.

Estamos prontos para o fazer: temos sistematicamente obtido permissão para esta ligação por parte dos nossos participantes, existem as infraestruturas técnicas devidamente validadas e testadas, as questões éticas e legais foram debatidas, falta apenas ultrapassar as limitações de natureza administrativa que, estranhamente, impedem o processo.

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