Apostar no desenvolvimento de políticas de saúde intersetoriais, integradas e centradas na família, é crucial para melhorar a qualidade de vida de mães e pais de crianças muito pré-termo (ou seja, crianças que nascem com menos de 32 semanas de gestação). Algumas dessas políticas poderiam passar pela reformulação da licença de parentalidade e pelo desenho de intervenções focadas em diminuir os efeitos negativos da necessidade de constante vigilância e higienização que estes bebés muitas vezes exigem.
As conclusões constam de um estudo da Unidade de Investigação em Epidemiologia (EPIUnit) do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP), que avaliou a qualidade de vida de mães e pais de crianças muito pré-termo, quatro meses depois do parto.
A literatura mostra que a qualidade de vida de pais de bebés muito pré-termo pode estar comprometida devido a distúrbios do sono, fadiga, stress e sintomas psicopatológicos. Importa compreender o modo como os pais e as mães destas crianças avaliam os fatores que influenciam a sua qualidade de vida para se delinearem políticas e serviços de saúde mais centrados nas famílias no contexto da prematuridade.
No estudo em questão, avaliou-se “a qualidade de vida de pais de crianças muito pré-termo, quatro meses depois do parto. É uma altura em que a maioria dos bebés já teve alta da Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais (UCIN) e estão em casa. Além disso, os quatro meses correspondem, na lei portuguesa, ao período normal da licença de parentalidade, estando portanto muitas mães a preparar-se para regressar ao trabalho nessa altura. Por isso, consideramos que este era um período importante para a avaliação da qualidade de vida destes pais“, explica Mariana Amorim, primeira autora do estudo, coordenado pela investigadora do ISPUP, Susana Silva.
Os autores utilizaram um questionário da Organização Mundial de Saúde (OMS) para avaliar a qualidade de vida dos pais, que contempla parâmetros como a saúde física, o estado psicológico, as relações sociais e a relação com o meio ambiente. Participaram nesta avaliação quantitativa 67 mães e 64 pais. Foram também realizadas entrevistas qualitativas semiestruturadas junto de 26 casais. Os participantes foram sistematicamente recrutados durante o internamento dos bebés, em todas as 7 UCIN da Zona Norte de Portugal, entre Julho de 2013 e Junho de 2014.
Concluiu-se que mães e pais avaliam a sua qualidade de vida de forma semelhante, a qual é negativamente afetada pelo stress parental, pela ansiedade e pela depressão. A qualidade de vida das mães parece ser negativamente influenciada por uma posição socioeconómica baixa. Nos pais, fatores como o tempo de internamento da criança e a existência de problemas de saúde do bebé também têm um impacto negativo na sua qualidade de vida.
O estudo revelou ainda que não existem diferenças significativas entre a perceção da qualidade de vida das mães e dos pais das crianças muito pré-termo e a população em geral. Segundo Mariana Amorim, tal pode explicar-se, entre outros fatores, pelo facto de os pais ativarem mecanismos de acomodação interna. “Perante um acontecimento de vida muito stressante, como é o nascimento de uma criança muito pré-termo, os pais ativam mecanismos internos para enfrentarem a situação, como por exemplo serem otimistas perante a vida, reorganizarem os seus objetivos, compararem os seus filhos com crianças que se encontram em piores situações, no fundo, reformularem as suas expectativas. Estes mecanismos fazem com que os fatores que influenciam negativamente e positivamente a qualidade de vida sejam balanceados”, refere.
A investigação permitiu também perceber que a constante vigilância em relação à criança e a necessidade de higienização permanente influenciam negativamente a qualidade de vida dos pais. Por outro lado, o acesso aos cuidados de saúde foi referido como um aspeto que influencia positivamente a qualidade de vida parental, uma vez que os pais têm conhecimento que o internamento de uma criança muito pré-termo é bastante dispendioso.
Tendo em conta os resultados da investigação, os autores sublinham a importância de se desenvolverem políticas intersectoriais integradas e centradas na família, dentro e fora das UCIN, no sentido de melhorar a qualidade de vida destes pais.
Uma das sugestões poderia passar pela “criação de uma licença específica para pais de crianças muito pré-termo. O período de internamento do bebé não deveria estar incluído no tempo da licença de parentalidade”, diz Mariana Amorim. Para além disso, seria importante “criar intervenções focadas para colmatar os efeitos negativos que a constante vigilância e higienização têm na qualidade de vida parental”.
Apesar de todos os avanços médicos e tecnológicos, as crianças que nascem muito prematuramente apresentam um elevado risco de morte e de atrasos no neurodesenvolvimento, pelo que o nascimento prematuro é um importante problema de saúde pública.
A investigação, publicada na revista “Health and Quality of Life Outcomes”, designa-se “Quality of life of parents of very preterm infants 4 months after birth: a mixed methods study” e é também assinada pelas investigadoras Elisabete Alves, Michelle Kelly-Irving e Ana Isabel Ribeiro.
Imagem: Pixabay/SeppH