O Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP) auscultou a opinião de dadores e de beneficiários de gâmetas sobre diversos temas relacionados com a Procriação Medicamente Assistida e mostrou que a maioria dos participantes discorda da possibilidade de casais heterossexuais e mulheres casadas terem prioridade no acesso aos tratamentos de fertilidade, por comparação com casais homossexuais e mulheres solteiras, respetivamente.
A investigação surge no contexto da alteração da lei que regula o acesso à Procriação Medicamente Assistida (PMA) em Portugal que, em 2016, passou a contemplar o acesso de mulheres solteiras e casais de mulheres a tratamentos de fertilidade. Este alargamento dos potenciais beneficiários conduziu a um aumento na procura de gâmetas – isto é, óvulos e espermatozoides – doados para técnicas de PMA.
Tendo em conta a escassez de recursos e de dadores de gâmetas para satisfazer este aumento da procura no setor público, equacionou-se o estabelecimento de critérios de prioridade para aceder aos tratamentos, como, por exemplo, a orientação sexual e o estatuto marital. Investigadoras do ISPUP ouviram a opinião de dadores e de beneficiários envolvidos no Banco Público de Gâmetas quanto a esta eventual recomendação.
“A lei portuguesa de 2016 não define critérios de prioridade no acesso aos tratamentos de fertilidade. No entanto, esta é uma questão que se coloca, devido à dificuldade em fazer face a todos os pedidos. Quisemos perceber qual a opinião dos envolvidos no processo, com o intuito de contribuir para a aplicação de recomendações participativas que assegurem o acesso a cuidados de saúde equitativos e de qualidade”, explica Inês Baía, primeira autora do estudo Priority of Access to Fertility Treatments Based on Sexual Orientation and Marital Status: the Views of Gamete Donors and Recipients, coordenado por Susana Silva e Cláudia de Freitas.
Entre julho de 2017 e junho de 2018, os investigadores recolheram a opinião de 171 beneficiários e de 72 dadores que tiveram pelo menos uma consulta no Banco Público de Gâmetas (no Porto).
Maioria discorda de critérios de prioridade no acesso aos tratamentos
A investigação, publicada na revista Sexuality Research and Social Policy, disponível AQUI, mostrou que 60% dos participantes no estudo discorda da possível existência de prioridade no acesso aos tratamentos por parte de casais heterossexuais e de mulheres casadas, por comparação com casais homossexuais e mulheres solteiras, respetivamente. São assim favoráveis ao acesso equitativo à PMA, independentemente da orientação sexual e do estatuto marital.
Constatou-se, porém, que os participantes do sexo masculino concordaram mais frequentemente em dar prioridade de acesso a casais heterossexuais e a mulheres casadas. Já os indivíduos casados ou a viver em união de facto e os participantes com profissões mais indiferenciadas estiveram mais de acordo em dar acesso prioritário a mulheres casadas.
Como explica Inês Baía, “apesar de a maior parte dos indivíduos concordar com o acesso equitativo aos tratamentos, verificámos que persistem representações heteronormativas, particularmente visíveis entre os homens. Da mesma forma, observámos a dominância do casamento na instituição familiar, que não é tão favorável às mulheres solteiras. Ainda há a ideia de que estas mulheres têm menos rendimentos e redes de suporte social mais frágeis que dificultam a prestação de cuidados a uma criança, o que a literatura nem sempre corrobora”.
Assim sendo, os investigadores defendem “o investimento em campanhas que visem desconstruir equívocos ainda existentes relativamente à capacidade e às competências parentais de famílias constituídas por uma ou duas mulheres”.
Para a autora, o estudo enfatiza a importância de se estar ciente dos valores, preferências e necessidades de beneficiários e dadores de gâmetas para sustentar políticas e recomendações que visem promover a provisão de cuidados de saúde reprodutiva de qualidade, seguros e justos.
O projeto Engaged
O trabalho empírico foi desenvolvido no âmbito do projeto ENGAgED – Bionetworking e cidadania na doação de gâmetas, liderado por Susana Silva, e financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), que terminou no ano de 2019.
Imagem: Pixabay/RitaE