Os cuidados de saúde prestados a nível oncológico devem considerar não apenas o doente, mas também o seu agregado familiar, sublinha um estudo do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP), que concluiu que, a par dos doentes com cancro, também os seus cônjuges utilizam com maior frequência os serviços de saúde quando comparados com a população em geral.
O artigo, publicado na revista Journal of Cancer Survivorship, avaliou o modo como os sobreviventes ao cancro e os seus cônjuges utilizam os serviços de saúde.
“Sabe-se, através de estudos anteriores, que tanto os sobreviventes ao cancro como os seus parceiros reportam várias consequências negativas da doença e dos seus tratamentos, não só físicas, como psicológicas e sociais, sendo, por isso, expectável um maior uso dos serviços de saúde”, refere Ana Rute Costa, primeira autora do artigo, coordenado por Nuno Lunet.
“Neste trabalho, quisemos compreender melhor de que forma os sobreviventes oncológicos e os seus companheiros utilizam diferentes cuidados de saúde, por comparação com a população geral”, diz.
Amostra europeia
Para levarem a cabo o estudo, os investigadores analisaram dados de 1174 sobreviventes ao cancro e dos seus respetivos cônjuges, assim como de 3522 pessoas sem diagnóstico prévio de cancro, oriundos de 16 países europeus, Portugal incluído. Os dados foram obtidos a partir da quarta avaliação do projeto SHARE – Survey of Health, Ageing and Retirement in Europe (2010-2011).
Comparou-se o número de consultas médicas realizadas e a ocorrência de hospitalizações, nos últimos 12 meses, bem como o consumo de medicação, entre sobreviventes ao cancro, os seus cônjuges e a população em geral.
Sobreviventes ao cancro e os seus cônjuges utilizam com mais frequência os serviços de saúde
Percebeu-se que os sobreviventes ao cancro reportaram uma maior utilização de diferentes cuidados de saúde, tanto do ponto de vista de consultas médicas como de medicação, e que os seus cônjuges recorreram mais frequentemente a consultas médicas do que a população geral.
Para Ana Rute Costa, era já expectável encontrar estes resultados. “A novidade é que conseguimos quantificar a magnitude das diferenças de utilização destes cuidados por parte destes grupos em comparação com a população geral, e conseguimos perceber quais as características associadas a uma maior utilização”.
Centrar os cuidados de saúde na família
Tendo em conta esta realidade, a investigadora advoga a necessidade de se planearem os cuidados oncológicos, pensando não apenas no doente, mas no contexto familiar.
“O efeito do diagnóstico de cancro não se verifica apenas no doente, mas tem impacto em toda a família. No caso dos cônjuges, muitas vezes, estas consequências negativas não são percecionadas de imediato; só se constatam mais tarde. Isto porque, na fase mais ativa do tratamento, os companheiros estão mais focados em cuidar do doente, deixando para segundo plano as suas próprias necessidades”, refere.
Aliás, “há mesmo artigos que indicam que o cuidador de um doente oncológico deveria ser considerado como um segundo paciente, que exige tempo, investimento e atenção. E, com este trabalho, conseguimos comprovar isso”, nota a investigadora, cujo artigo se intitula Healthcare services and medication use among cancer survivors and their partners: a cross-sectional analysis of 16 European countries.
Viúvos de pessoas que faleceram por cancro também utilizam mais frequentemente os serviços de saúde
Num outro artigo, inserido na mesma linha temática do anterior, e publicado na revista Psycho-Oncology, os investigadores perceberam também que os viúvos cujos parceiros faleceram por cancro apresentaram uma maior utilização de diferentes cuidados de saúde.
Concretamente, consumiam mais medicamentos para problemas de sono e para ansiedade ou depressão, por comparação com pessoas que viviam com um companheiro ou que perderam recentemente o seu cônjuge devido a doença cardiovascular.
Para a investigadora do ISPUP, este estudo vem demonstrar que existem efeitos na saúde dos cuidadores, mesmo após a morte do doente oncológico.
Neste sentido, importa “encetar um esforço global para que o foco dos cuidados de fim de vida contemple igualmente a família do paciente, nomeadamente, o seu parceiro, mesmo após a morte do doente oncológico”.
Os investigadores esperam que os resultados do estudo Healthcare services and medication use among widowed partners of patients deceased due to cancer – results from the Survey of Health, Ageing and Retirement in Europe (SHARE) contribuam para melhorar a prestação de cuidados aos cuidadores de doentes oncológicos, ao longo de toda a trajetória da doença, contribuindo para a promoção da sua saúde e bem-estar.
Imagem: Anna Shvets/Pexels