Mariana Brandão é investigadora no Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP) e estudante do Programa Doutoral em Saúde Pública da Faculdade de Medicina da U.Porto (FMUP). E foi em ambas as qualidades que ajudou a implementar aquele que é o primeiro estudo longitudinal de doentes com cancro da mama em Moçambique: a coorte Moza-BC (Mozambican Breast Cancer).
Este estudo pioneiro, que nasceu de uma parceria entre o ISPUP e os três principais hospitais centrais de Moçambique (Maputo, Beira e Nampula), acompanha, desde 2015, 262 mulheres moçambicanas, que foram diagnosticadas com cancro da mama. O objetivo? Ajudar a colmatar a falta de informação sobre a distribuição dos subtipos de cancro da mama, tratamentos disponíveis e números relativos à sobrevivência da doença no país.
Até agora, a equipa de qua faz parte Mariana Brandão percebeu, por exemplo, que quase um quarto das mulheres moçambicanas tem cancro da mama triplo negativo (o mais agressivo e letal), sendo que muitas são diagnosticadas num estádio demasiado avançado da doença. Do Moza-BC resultou ainda a criação do primeiro grupo multidisciplinar para o cancro da mama em Moçambique, que revelou ter um impacto bastante benéfico na sobrevivência destas mulheres.
“Os vários resultados que alcançámos, até agora, são pioneiros e pretendem servir de base para decisões clínicas e políticas em Moçambique e, eventualmente, também noutros países africanos”, diz a jovem investigadora.
O percurso que levou Mariana Brandão até Moçambique começou a ser desenhado em 2004, quando ingressou no Mestrado Integrado em Medicina na Faculdade de Medicina da U.Porto (FMUP). Viria a concluir o curso em 2010, com uma passagem pela Turquia – ao abrigo do programa Erasmus – pelo meio.
Foi também na FMUP que se começou a interessar pela área da oncologia, à qual vem dedicando todo o seu trajeto profissional. Entre 2012 e 2017, realizou o Internato de Oncologia Médica no Instituto Português de Oncologia do Porto (IPO-Porto) e fez um curto estágio clínico no Royal Marsden NHS Foundation Trust, no Reino Unido. Em 2017, tornou-se especialista em Oncologia Médica.
Logo após a conclusão da especialidade, iniciou um research fellowship no Institut Jules Bordet, em Bruxelas, que durou até dezembro de 2020. Trabalhou na conceção e revisão de protocolos de ensaios clínicos, como medical advisor, colaborou em projetos de investigação clínica e iniciou um projeto de investigação translacional sobre o impacto da infeção por VIH em doentes com cancro da mama.
Mariana Brandão é, desde o início do ano, assistente hospitalar de Oncologia Médica no Institut Jules Bordet, onde desempenha atividades clínicas e de investigação. No futuro? Vai continuar a “conciliar a atividade clínica com a atividade de investigação” no domínio da oncologia, agora na área do cancro do pulmão. O seu objetivo é desenvolver projetos na área da imunologia do cancro do pulmão, de forma a melhor selecionar e tratar os doentes com esta patologia.
Naturalidade? São João da Madeira, Portugal
Idade? 34 anos
– De que mais gosta na Universidade do Porto?
Da diversidade de pessoas e de saberes, da história e da sua presença tão importante na cidade.
– De que menos gosta na Universidade do Porto?
Da ainda reduzida interação entre as diferentes Faculdades ao nível de projetos de investigação e de mobilidade de estudantes. E também da burocracia e regras ainda muito rígidas, que dificultam o avanço rápido de ideias.
– Uma ideia para melhorar a Universidade do Porto?
Aumentar o intercâmbio de estudantes entre as Faculdades, ao dar a possibilidade de se assistir a disciplinas / módulos noutras áreas – o que, com o desenvolvimento das plataformas de ensino virtual, facilitará a sua implementação.
Apesar de já existir um polo para startups, deveria aumentar-se ainda mais a interação com a “indústria”, ou seja, com os parceiros privados/comerciais, como por exemplo, com a indústria farmacêutica.; mas esta interação com a indústria pode-se aplicar a muitas outras áreas do saber.
Diversificar as fontes de financiamento, para reduzir a dependência da FCT.
– Como prefere passar os tempos livres?
Com amigos: seja a conversar, a partilhar uma refeição, a passear pela cidade ou natureza, a visitar exposições, a ir a concertos.
– Um livro preferido?
É muito difícil escolher um livro preferido, porque leio muito e desde há muitos anos. Posso falar de autores preferidos, como por exemplo, José Saramago, José Luís Peixoto, Gabriel García Márquez, entre outros. Mas atualmente, tenho lido sobretudo livros sobre história e política – um livro que li o ano passado durante o primeiro confinamento e que me marcou muito foi o The Silk Roads: A New History of the World, do Peter Frankopan.
– Um disco/músico preferido?
A música do Jorge Palma esteve muito presente na minha adolescência e início da idade adulta, mas mais recentemente ouço muito António Zambujo e Miguel Araújo. Com a ida para Moçambique comecei a ouvir música africana (Fatoumata Diawara, Mayra Andrade…) e agora música belga (Stromae, Typh Barrow…).
– Um prato preferido?
Doces! Quando fiz Erasmus na Turquia apaixonei-me pelos doces turcos, sobretudo pelas baklavas. Mas claro, adoro também os doces tradicionais portugueses e, mais recentemente, os gaufres (ou “waffles”) e os chocolates belgas.
– Um filme preferido?
A trilogia do “Padrinho”. No entanto, desde que vivo na Bélgica que tenho começado a explorar o cinema francês, que tem também filmes magníficos.
– Uma viagem de sonho?
Ao Japão, ainda por realizar.
– Um objetivo de vida?
Que o trabalho que faço possa trazer alegria às pessoas à minha volta. E que eu possa continuar a ter esta sorte de ter saúde e de ter família e amigos tão próximos.
– Uma inspiração?
As pessoas com cancro que tive o privilégio de tratar ao longo destes anos, bem como os seus familiares e amigos – em Portugal, em Moçambique, no Reino Unido e agora na Bélgica. Apesar das diferenças culturais e socioeconómicas entre estes países, todas estas pessoas têm partilhado saberes, histórias e emoções e têm-me ensinado muito sobre a vida. São elas a inspiração para o meu trabalho diário, como médica e como investigadora.