Um estudo do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP) concluiu que as mulheres expostas a técnicas de marketing de fórmulas infantis (também conhecidas como “leite artificial”) têm maior probabilidade de deixarem de amamentar os seus filhos e de o fazerem exclusivamente, até que estes completem os 6 meses de idade.
A investigação concluiu que as mães que recebem gratuitamente amostras de leite artificial por parte de um profissional de saúde têm maior probabilidade de abandonarem o aleitamento materno exclusivo e as que têm acesso a descontos neste tipo de fórmulas têm um risco maior de deixarem de amamentar e de o fazer exclusivamente. O estudo mostrou também que o impacto destas técnicas de marketing nas práticas de aleitamento não difere entre mães portuguesas e imigrantes.
O estudo, intitulado The Impact of Formula Industry Marketing on Breastfeeding Rates in Native and Migrant Mothers, publicado na revista Breastfeeding Medicine, procurou perceber qual o grau de exposição das mulheres portuguesas e imigrantes ao marketing de substitutos do leite materno. O objetivo era averiguar se este tipo de marketing teria algum impacto no aleitamento dos seus filhos, incluindo o aleitamento exclusivo, e se produzia efeitos diferentes entre as mulheres portuguesas e imigrantes.
De acordo com Cosima Lisi, primeira autora do estudo, coordenado por Henrique Barros, “todos conhecemos os benefícios do aleitamento materno para a saúde da criança e da mãe. Quando não há contraindicações para amamentar, o leite materno é recomendado em exclusivo até aos 6 meses de idade. A partir dos 6 meses, pode-se começar a introduzir alimentação complementar na dieta do bebé. Mas há muitos fatores que podem influenciar o aleitamento materno. Entre estes, encontra-se o marketing de substitutos do leite materno, entre os quais o leite artificial, que pode fazer com que as mães optem por deixar de amamentar, mesmo que não seja necessário. Neste estudo, procurámos verificar qual o impacto deste tipo de marketing, tanto nas mulheres portuguesas como nas imigrantes”.
As mulheres participantes no estudo
No contexto desta investigação, conduzida no âmbito do baMBINO (um projeto do ISPUP desenvolvido para saber mais acerca do acesso aos cuidados de saúde e o nível de satisfação das mães imigrantes nos hospitais portugueses), foram avaliadas, entre 2017 e 2019, cerca de 2400 mulheres que deram à luz em vários hospitais do país: 1150 portuguesas e 1251 imigrantes. Estas últimas eram originárias dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), do Brasil e de outros países.
Foi recolhida informação sobre as participantes, após o seu recrutamento na maternidade e cerca de três meses após o parto. Adicionalmente, as mães responderam a uma série de perguntas sobre a sua exposição a publicidade e técnicas de marketing promotoras do leite artificial e de outros produtos relacionados – se receberam algum tipo de amostras, brindes, brochuras ou panfletos de algum profissional de saúde, se viram expositores deste tipo de fórmulas e, se sim, em que locais, e ainda se foram expostas a publicidade ou descontos. Para além disso, obteve-se informação acerca de como as mães estavam a alimentar as crianças no momento em que foram entrevistadas.
A influência do marketing no abandono do aleitamento materno
Os resultados do estudo mostraram que as técnicas de marketing de substitutos do leite materno têm um impacto no abandono do aleitamento e do aleitamento materno exclusivo, tanto nas mulheres portuguesas como nas imigrantes.
Concluiu-se que as mulheres que receberam amostras gratuitas de leite artificial por parte de um profissional de saúde, ou que tiveram acesso a descontos neste tipo de fórmulas de leite, abandonaram mais frequentemente o aleitamento materno exclusivo. O acesso a descontos nas fórmulas de leite artificial é um fator de risco para o abandono do aleitamento.
Apesar de as técnicas de marketing de substitutos do leite materno afetarem, da mesma forma, as mães portuguesas e as imigrantes, verificou-se que as imigrantes são menos expostas a este tipo de marketing e têm uma probabilidade menor de interromper o aleitamento e o aleitamento exclusivo. De entre as imigrantes, as mulheres originárias dos PALOP são as menos expostas.
Contudo, como frisa Cosima Lisi, “caso sejam expostas às técnicas de marketing do leite artificial, as imigrantes são também influenciadas, aumentando do mesmo modo a probabilidade de deixarem de amamentar”.
Uma das explicações para a menor exposição das mulheres dos PALOP ao marketing prende-se com o facto de a maioria ter tido partos em hospitais “Amigos dos bebés”. Nestes hospitais, não é permitida qualquer forma de promoção dos substitutos do leite materno, incluindo a distribuição de amostras de leite artificial e brochuras com o nome da empresa às mulheres. Outra razão poderá relacionar-se com o facto de estas mães não serem fluentes no português. Apesar de o português ser o idioma oficial dos PALOP, existem outras línguas que são faladas nesses países, pelo que a linguagem poderá ter sido uma barreira para o acesso às estratégias de marketing.
O papel dos profissionais de saúde no apoio às mães
Note-se que as participantes no estudo referiram ter sido menos expostas ao marketing de leite artificial em ambiente hospitalar ou no centro de saúde do que em outros contextos, como supermercados ou farmácias. No entanto, aquelas que foram expostas a amostras gratuitas de leite artificial por parte de profissionais de saúde abandonaram mais frequentemente o aleitamento materno exclusivo do que as não expostas.
Por essa razão, os autores do estudo sublinham a importância de estes profissionais passarem mensagens claras. “Os médicos e enfermeiros são considerados uma fonte de informação confiável por parte das mães. Quando entregam amostras de leite artificial às mulheres poderão passar a mensagem de que apoiam os substitutos do leite materno. É importante evitar mensagens confusas e informar devidamente as mães sobre os benefícios do aleitamento”, refere Cosima Lisi.
A investigadora destaca que uma das formas de garantir que a exposição ao marketing não afeta negativamente o aleitamento materno é o acompanhamento apropriado das futuras mães.
“A primeira coisa a ter em conta é que quando as mulheres recebem cuidados de saúde, têm que ter todo o apoio necessário. Se têm dificuldade com o aleitamento, têm de ser devidamente informadas, porque uma mãe pode decidir que não quer amamentar, e é livre de o fazer, mas é crucial que seja bem informada sobre os benefícios da amamentação, as recomendações internacionais, e protegida da influência do marketing. As mães imigrantes, sendo uma população vulnerável, precisam de ser mais protegidas, porque, se forem igualmente expostas a este tipo de marketing, terão as mesmas consequências observadas entre as mães portuguesas.”
A técnica de “cross-promotion” da indústria do leite artificial
É importante ressalvar que, no estudo, as mães foram questionadas sobre a exposição ao marketing de qualquer tipo de leite artificial, sem distinguir entre leite para lactentes, direcionado para bebés até aos 6 meses de idade, de transição (para bebés dos 6 até 12 meses de idade) e de crescimento (para bebés dos 12 aos 36 meses).
Em Portugal, é proibida a promoção de leite para bebés até aos 6 meses de idade, como, por exemplo, a distribuição de amostras gratuitas e descontos, mas não de outro tipo de fórmulas infantis.
Para ultrapassar esta dificuldade, a indústria usa uma técnica de marketing chamada “cross-promotion”, onde é utilizado um produto, como por exemplo os leites de transição para bebés dos 6 aos 12 meses, para promover outro, neste caso, as fórmulas para lactentes (até aos 6 meses), fazendo uso de marca, rótulo, cores e logótipos semelhantes. “Esta técnica pode tornar as mães confusas, impossibilitando-as de conseguirem distinguir entre os diferentes tipos de fórmula. Por essa razão, é importante banir os descontos em qualquer tipo de leite artificial”, frisa Cosima Lisi.
A investigadora Cláudia de Freitas do ISPUP é outra das autoras desta investigação.
Sobre o Projeto baMBINO
O projeto baMBINO foi criado pelo ISPUP em 2017, para estudar se os hospitais portugueses estavam preparados para receber mulheres imigrantes, provenientes de contextos culturais diferentes, e avaliar a satisfação destas mulheres relativamente aos cuidados de saúde recebidos ao longo da gravidez, no momento do parto e após o parto, em comparação com as mulheres portuguesas.
Informações adicionais acerca do projeto e dos seus resultados estão disponíveis no seu site oficial.