Um estudo, que contou com a participação do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP), avaliou uma amostra de doentes portugueses recentemente diagnosticados com esclerose múltipla, acompanhados em cinco hospitais do país.
O objetivo? Encontrar marcadores precoces de alterações neurológicas nestes doentes, que, por se encontrarem numa fase inicial da patologia, não demonstram ainda sintomas de deterioração cognitiva (apesar de o défice cognitivo poder já existir).
Como explica Luís Ruano, investigador do ISPUP e membro do laboratório Défice cognitivo associado a doenças do sistema nervoso, que integra o Laboratório associado para a Investigação Integrativa e Translacional em Saúde Populacional (ITR), “é importante perceber se as pessoas que ainda não têm queixas cognitivas nem visuais, como consequência da esclerose múltipla, apresentam já em exames específicos, sinais de que podem vir a estar em risco de ter problemas de visão por degeneração do nervo ótico e problemas cognitivos”.
“O défice cognitivo e a atrofia do nervo ótico são dois potenciais biomarcadores que podem identificar sinais de neurodegeneração em doentes com esclerose múltipla”, explica o investigador.
A investigação, publicada na revista Neurological Sciences, pretendia compreender especificamente em que medida é que a deteção de atrofias em dois biomarcadores relacionados com a visão – a camada de fibra nervosa peripapilar da retina (pRNFL) e a camada de células ganglionares maculares (mGCL) – se poderiam relacionar com a deterioração do desempenho cognitivo de doentes em fase inicial de esclerose múltipla.
Foram recrutados 52 participantes, com idades compreendidas entre os 18 e os 65 anos, para a realização de Tomografias de Coerência Ótica (exame utilizado no diagnóstico das doenças da retina) e de avaliações neuropsicológicas.
Estes pacientes, cuja média de idades era de 37 anos, tinham sido diagnosticados com esclerose múltipla há cerca de três anos e meio.
Segundo Luís Ruano, que é também o coordenador do estudo, os pacientes testados constituem uma amostra representativa da população recém-diagnosticada com esclerose múltipla em Portugal.
Os resultados do trabalho demonstraram que 28,8% dos participantes na investigação apresentavam já deterioração cognitiva, numa fase inicial da doença.
Não foram encontradas, após a realização dos exames, diferenças nos biomarcadores de nerurodegeneração da retina (pRNFL e mGCL) entre os doentes – tanto nos que apresentaram sinais de défice cognitivo como nos que não tinham sinais de deterioração cognitiva.
Percebeu-se que a avaliação cognitiva permitia encontrar de forma mais precoce marcadores de neurodegeneração nos doentes do que as avaliações óticas.
“A mensagem final deste trabalho acaba por ser que existe, numa população jovem e com diagnóstico recente de esclerose múltipla, uma proporção muito grande de pessoas que têm já deterioração cognitiva, e que é importante divulgar essa informação para que haja uma maior sensibilidade para esse problema, para que possamos melhorar as nossas estratégias de tratamento”, frisa Luís Ruano.
O investigador reforça ainda que idealmente todos os doentes com diagnóstico de esclerose múltipla deveriam fazer uma avaliação cognitiva e do nervo ótico em fase inicial da doença.
A esclerose múltipla é a doença crónica que afeta mais pessoas em idade jovem, tendo uma prevalência de mais ou menos 60 ou 80 por 100 mil habitantes em Portugal, e está a aumentar a sua prevalência.
Esta é uma patologia que se instala gradualmente e que pode atingir qualquer parte do sistema nervoso central acabando por provocar neurodegeneração e posteriormente incapacidade cognitiva. Pode afetar a concentração prolongada, a velocidade no processamento de informação, a memória episódica e a execução de funções.
Espoletada por diversos sintomas, a Esclerose Múltipla deixou de ser uma doença incurável, tendo atualmente vários tratamentos eficazes. Não obstante, esses tratamentos estão ainda estão muito dependentes dos sintomas que os doentes relatam, sendo por isso importante detetar alterações neurológicas antes que estas provoquem sintomas para orientar melhor as decisões terapêuticas e prevenir que os doentes acabem por ficar com incapacidade.
Este estudo, intitulado Cognitive impairment and markers of optical neurodegeneration in early multiple sclerosis, contou também com a participação de investigadores provenientes de diversos Centros Hospitalares em Portugal – o Centro Hospitalar de Entre Douro e Vouga, o Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, o Centro Hospitalar e Universitário de São João, o Centro Hospitalar e Universitário do Porto e o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, assim como de Universidades da zona Norte e Centro do país.