Portugal apresenta uma elevada prevalência de agressividade terapêutica em fim de vida para doentes oncológicos – 7 em cada 10 que morreram num hospital público em Portugal continental entre 2010 e 2015 foram expostos a cuidados considerados agressivos – de acordo com um estudo publicado na revista ESMO Open da Sociedade Europeia de Oncologia Médica.
O estudo, liderado pelo King’s College London, envolve investigadores e clínicos dos Institutos Portugueses de Oncologia de Lisboa, Coimbra e Porto, da Escola Nacional de Saúde Pública, do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP) e da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. Alerta para uma das maiores prevalências de agressividade terapêutica em fim de vida para doentes oncológicos em Portugal, quando comparada com outros países ocidentais.
A equipa de investigação conduziu uma análise retrospetiva incluindo todos os doentes oncológicos em idade adulta que faleceram em hospitais públicos de Portugal continental entre janeiro de 2010 e dezembro de 2015 (6 anos). A agressividade dos cuidados em fim de vida foi avaliada através da presença de pelo menos 1 de 16 indicadores individuais durante os últimos 30 dias de vida. Estes indicadores incluem fatores relacionados com admissão hospitalar, tratamentos oncológicos e procedimentos invasivos.
O estudo incluiu mais de 92 mil doentes e identificou uma prevalência de 71% de exposição a cuidados considerados agressivos em fim de vida, prevalência essa que se manteve estável durante os 6 anos estudados. Os indicadores individuais mais comuns nos últimos 30 dias de vida foram internamento hospitalar por mais de 14 dias (43%) e cirurgia (28%).
O autor principal do estudo, Dr. Diogo Martins Branco, diz: “Apesar da doença oncológica apresentar uma das trajetórias de doença mais previsíveis, a definição prognóstica pode ser difícil em determinadas situações, resultando em cuidados agressivos que comprometem a qualidade de vida no seu final. Por isso, o reconhecimento dos doentes mais afetados é o primeiro passo para melhorarmos os cuidados neste contexto”.
O estudo identificou a presença de comorbilidades, cancros gastrointestinais ou hematológicos e óbito em centro oncológico ou hospital com oncologia médica como fatores relacionados com maior risco de exposição a agressividade de cuidados em fim de vida.
O oncologista médico do Instituto Português de Oncologia de Lisboa e mestre em cuidados paliativos pelo King’s College London afirma que “os oncologistas devem procurar uma melhor determinação de estimativas prognósticas proporcionando oportunidades adequadas para discussão antecipada de preferências e expectativas dos doentes e familiares, especialmente entre os grupos de maior risco identificados no nosso estudo”.
O estudo não demonstrou redução da agressividade dos cuidados em fim de vida do doente oncológico com a existência de equipas de cuidados paliativos no hospital onde ocorreu o óbito. “Este resultado pode dever-se ao facto de os hospitais com equipas de cuidados paliativos serem frequentemente aqueles com doentes mais complexos. Pode ser também influenciado por termos medido o efeito das equipas ao nível do hospital, uma vez que não nos foi possível avaliar ao nível de cada doente se recebeu ou não esse apoio. Adicionalmente, a referenciação tardia e os escassos recursos destas equipas, que sabemos serem uma realidade em Portugal, podem também ter sido motivos”, diz a Doutora Bárbara Gomes, investigadora principal do estudo e docente da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra que, desde 2011, tem desenvolvido investigação no sentido de otimizar os cuidados paliativos em Portugal, apoiada pela Fundação Calouste Gulbenkian.
Continua: “Este estudo identifica uma realidade sobre a qual devemos refletir, que devemos seguir em investigação futura e cujo impacto desconhecemos no contexto atual de pandemia Covid-19. Esperamos que os dados ajudem a melhorar e personalizar os cuidados aos doentes oncológicos”.
Imagem: Gabinete de Comunicação do IPOLFG