O défice cognitivo afeta particularmente os adultos mais velhos e representa um grande entrave à sua autonomia e qualidade de vida. Em Portugal, são escassos os estudos que identificam a prevalência de défice cognitivo entre a população com mais idade e a incidência ou número de novos casos desta condição.
O Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP) procurou contribuir com mais conhecimento nesta área, através de um estudo que calculou a prevalência e a incidência de défice cognitivo numa amostra de 586 residentes na cidade do Porto, com idades entre os 65 e os 85 anos, que foram acompanhados entre 1999 e 2015.
Concluiu-se que 91 indivíduos (15,5%) foram diagnosticados com défice cognitivo, no momento em que foram recrutados para participar na investigação, e que, entre os anos de 2005 e 2015, 48 pessoas desenvolveram esta condição, o que corresponde a uma incidência de 26,97 novos casos por 1000 pessoas, a cada ano, valor que, ainda assim, está abaixo da incidência da maioria dos países da Europa. As mulheres, as pessoas mais velhas e com menos escolaridade foram as que mais desenvolveram défice cognitivo, durante o período analisado, devendo, por isso, ser alvo de atenção por parte das estratégias de saúde pública.
Como explica Ricardo Pais, primeiro autor do estudo, desenvolvido ao abrigo da Unidade de Investigação em Epidemiologia (EPIUnit) do ISPUP, e coordenado por Henrique Barros, “o défice cognitivo aumenta o risco de demência e de mortalidade entre a população mais velha. Caracteriza-se por uma alteração do estado cognitivo da pessoa, em que esta começa a apresentar falhas de memória, bem como dificuldades de aprendizagem e de concentração na realização de tarefas específicas, que não seriam esperadas para a sua idade e nível de educação”.
Com o aumento da esperança média de vida, é expectável que aumente o risco de doença e de vulnerabilidade entre os mais velhos, e que surjam mais problemas a nível cognitivo. São, por isso, necessários dados epidemiológicos para avaliar o potencial de intervenções preventivas junto desta população.
Foi precisamente com o objetivo de contribuir com mais dados para Portugal que o ISPUP levou a cabo este estudo, publicado na revista BMC Geriatrics. Para além da prevalência e da incidência de défice cognitivo, os investigadores procuraram compreender qual o papel de fatores de risco como a idade, o sexo, a escolaridade, a situação perante o emprego (manutenção da atividade profissional ou reforma) e o estado marital na função cerebral.
O desenho do estudo
Foi utilizada uma amostra de 586 pessoas, com idades entre os 65 e 85 anos, residentes na cidade do Porto, e que integram a coorte EPIPorto – um estudo longitudinal que avalia, desde 1999, a saúde de um conjunto de indivíduos que vivem na cidade.
Os participantes na investigação agora divulgada foram avaliados no momento do recrutamento da coorte, entre 1999 e 2004. Recolheu-se informação sobre as suas características sociodemográficas e função cognitiva, o que permitiu aos investigadores calcular o número de casos existentes (prevalência), entre os participantes, naquele momento.
Para além desta primeira avaliação, houve ainda duas avaliações subsequentes da coorte, entre 2005 e 2015, que permitiram calcular quantos novos casos (incidência) de défice cognitivo surgiram, ao longo desses anos, entre os participantes que não tinham sido diagnosticados com a condição na altura da primeira avaliação.
15,5% dos participantes diagnosticados com défice cognitivo
No momento do recrutamento, 91 participantes (15,5%), entre os 586, foram diagnosticados com défice cognitivo. Segundo Ricardo Pais, este valor está dentro do intervalo de prevalência estimado para a população europeia: 7,7 a 33,1%.
A prevalência foi maior nas mulheres do que nos homens e superior nos indivíduos que se encontravam na faixa etária dos 80 e 85 anos, resultado que está em consonância com outros estudos que associam o défice cognitivo e a demência com o aumento da idade. O maior número de casos foi igualmente detetado em pessoas menos escolarizadas.
48 pessoas desenvolveram défice cognitivo ao longo do período de estudo
Nas avaliações subsequentes dos participantes, que aconteceram ao longo de dez anos, surgiram 48 novos casos de défice cognitivo entre as pessoas que não tinham sido diagnosticadas com a condição quando entraram na investigação.
Tal corresponde a uma incidência de 26,97 novos casos por 1000 pessoas, a cada ano. A incidência encontrada nesta amostra está abaixo da que é reportada pela maioria dos países da Europa para esta população.
Segundo o investigador do ISPUP, “de momento, não temos dados que possam explicar a razão pela qual a nossa incidência é inferior à de outros países europeus, sendo necessária investigação futura para averiguar melhor os motivos”.
O surgimento de novos casos de défice cognitivo foi igualmente superior nas mulheres, nas pessoas mais velhas e nos indivíduos com menos escolaridade. Os investigadores não encontraram uma associação entre o estado marital, a idade da reforma e o risco de défice cognitivo.
O contributo do estudo
Para Ricardo Pais, “este artigo contribui com informação relevante na área da prevalência e incidência de défice cognitivo, em Portugal. Conseguimos apresentar uma estimativa da incidência de défice cognitivo numa amostra representativa da população portuguesa mais velha e compreendemos quais são os principais fatores de risco para o desenvolvimento desta condição”.
“As mulheres, as pessoas com mais idade e os menos escolarizados são os principais grupos de risco para o desenvolvimento de défice cognitivo e, por isso, as políticas de saúde devem elegê-los como grupos prioritários, para evitar que a sua condição progrida para demência ou doença de alzheimer”, acrescenta.
A investigação designada Prevalence and incidence of cognitive impairment in an elder Portuguese population (65–85 years old) é também assinada pelos investigadores Luís Ruano, Ofélia Carvalho e Carla Moreira.
Imagem: Bruno Martins / Unsplash