As crianças e os adolescentes portugueses que pertencem a um nível socioeconómico mais elevado, e em particular que têm pais mais escolarizados, seguem um padrão alimentar mais saudável. Ainda assim, estes adolescentes consomem grandes quantidades de snacks salgados, o que evidencia que o contexto socioeconómico e a educação dos pais não protegem os filhos de hábitos alimentares menos saudáveis nestas idades, concluiu um estudo do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP).
Segundo Sofia Vilela, primeira autora do estudo, coordenado por Carla Lopes, a investigação “pretendeu verificar se existe uma ligação entre o estatuto socioeconómico das crianças e adolescentes portugueses e a ingestão diária de alimentos considerados mais saudáveis, como os hortofrutícolas, carne magra peixe e ovos, e alimentos menos saudáveis, de elevada densidade energética, como bebidas açucaradas e snacks salgados”.
“Até à data, nenhum estudo a nível nacional tinha explorado esta relação, pelo que nos pareceu pertinente levar a cabo a investigação”, acrescenta.
Os investigadores avaliaram os hábitos alimentares, assim como o peso e a altura, de 1153 crianças e adolescentes, com idades compreendidas entre os 3 e os 17 anos de idade, que participaram no Inquérito Alimentar Nacional e de Atividade Física (IAN-AF) 2015-2016, enquanto o nível socioeconómico das crianças e adolescentes foi calculado tendo por base o nível de escolaridade dos pais, a condição perante o trabalho (se estavam empregados ou desempregados), o número de elementos do agregado familiar e a zona geográfica onde vivem (meio rural, urbano ou predominantemente urbano).
A importância da educação dos pais
De entre as variáveis consideradas para caracterizar o estatuto socioeconómico, atribuiu-se particular importância à escolaridade dos pais, nomeadamente à educação da mãe, uma vez que “através da educação conseguimos ter uma ideia do conhecimento que os pais passam aos filhos. Há estudos internacionais que mostram que, em idades pediátricas, quanto maior o nível de educação dos pais, maior a probabilidade de estes promoverem práticas alimentares adequadas junto dos filhos”, nota a investigadora.
O estudo mostrou que as crianças e os adolescentes que têm um nível socioeconómico mais elevado (o agregado familiar vive em zonas urbanas e é mais reduzido e os pais são mais escolarizados e estão a trabalhar) consomem maiores quantidades de hortofrutícolas, carne branca, peixe e ovos.
Percebeu-se ainda que os pais mais escolarizados influenciam as crianças, induzindo-as a consumirem menos carne vermelha e processada, mas não conseguem exercer a mesma influência sobre os adolescentes, o que “mostra que os pais perdem o controle sobre a dieta dos filhos, quando estes entram na adolescência, não conseguindo evitar que ingiram alimentos menos saudáveis”, pode ler-se no estudo.
O caso particular dos adolescentes
De acordo com Sofia Vilela, “em Portugal, os hábitos alimentares e os padrões de refeição dos adolescentes tendem a ser menos saudáveis. Trata-se de uma população com elevada inadequação de consumo de hortofrutícolas e elevado consumo de bebidas açucaradas, fast-food e snacks salgados, e que está mais exposta a influências fora do contexto familiar, que têm impacto na alimentação que praticam”.
“Contudo, percebemos que os adolescentes provenientes de um contexto socioeconómico mais elevado e com pais mais escolarizados, fazem uma alimentação mais saudável, ingerindo maiores quantidades de hortofrutícolas. Ainda assim, consomem elevadas quantidades de snacks salgados, como é o caso das batatas fritas de pacote, o que demonstra que o nível socioeconómico e a educação dos pais não funcionam como fator protetor para hábitos alimentares menos saudáveis nestas idades”, acrescenta.
A investigação, publicada na revista British Journal of Nutrition, veio demonstrar que a posição socioeconómica, a par com a educação dos pais, desempenha um importante papel nos hábitos alimentares das crianças e dos adolescentes portugueses. No entanto, observou-se que o consumo alimentar entre os adolescentes está sujeito a vários níveis de influência, que fogem ao contexto familiar, como a influência que é exercida pelos pares, pela disponibilidade alimentar fora de casa e pela publicidade, que poderão ajudar a moldar as suas escolhas alimentares nessa fase da vida.
Os autores sublinham que futuras intervenções de saúde pública direcionadas a esta população devem ter em conta estas particularidades.
O estudo designado The role of socioeconomic factors in food consumption of Portuguese children and adolescents: results from the National Food, Nutrition and Physical Activity Survey 2015-2016 foi desenvolvido no âmbito da Unidade de Investigação em Epidemiologia (EPIUnit) do ISPUP e do Inquérito Alimentar Nacional e de Atividade Física (IAN-AF) 2015-2016. A investigação é também assinada por Iasmina Muresan, Daniela Correia e Milton Severo. O artigo encontra-se disponível AQUI.
Imagem: Pixabay/Pexels