ISPUP
A incidência e a mortalidade por cancro do estômago têm vindo a diminuir há várias décadas (1), mas este permanece um dos cancros mais frequentes em todo o mundo.
Este declínio é atribuível, predominantemente a um conjunto de fatores resultantes da melhoria do nível de vida das populações, nomeadamente a diminuição da frequência da infeção por Helicobacter pylori, o aumento do consumo de frutas e vegetais e a diminuição do consumo de sal.
Mais recentemente, o decréscimo do consumo de tabaco em muitos países terá também contribuído para um menor número de casos de cancro do estômago. Esta diminuição sustentada da incidência, ao longo de décadas, e o aparente potencial para uma ainda maior diminuição da carga de doença através de intervenções específicas relacionadas com o controlo do consumo de sal e de tabaco assim como a prevenção primária da infeção por H. pylori ou a sua erradicação contribuem para que a importância do cancro do estômago como problema de saúde pública seja subvalorizada nos países mais afluentes. Contudo, o declínio na incidência de cancro gástrico deveu-se sobretudo à diminuição da frequência do tipo histológico ‘intestinal’, que predomina em relação ao tipo ‘difuso’, com taxas mais estáveis ao longo do tempo e pior prognóstico (2).
O padrão de evolução que se tem observado deverá conduzir a um aumento do peso relativo dos tumores do tipo difuso, não se traduzindo necessariamente numa diminuição global da carga de doença tão acentuada quanto esperado. Do mesmo modo, este declínio tem sido mais notório para tumores localizados nos terços inferiores do estômago, enquanto a incidência dos cancros da região do cardia, também com pior prognóstico, tem aumentado ao longo do tempo, acompanhando a tendência verificada para os tumores do esófago (3).
O cancro do esófago é um dos mais letais (letalidade duas a três vezes maior que para o cancro do estômago (4)), e as taxas de incidência e mortalidade têm aumentado, nomeadamente devido ao aumento do adenocarcinoma esofágico em países ocidentais, como consequência do aumento da prevalência dos fatores de risco mais importantes -obesidade e refluxo gastro-esofágico. A infeção por H. pylori associa-se negativamente à ocorrência do adenocarcinoma esofágico (5) e a diminuição da prevalência de infeção deverá contribuir também para um maior número de casos de cancro esofágico (6).
Nos países mais afluentes as taxas de incidência e mortalidade por cancro do esófago são ainda muito mais baixas que as observadas para o cancro do estômago (7) mas, apesar destas diferenças, existem aspetos comuns na etiologia destes cancros. Por um lado, são influenciados de forma semelhante pelas exposições ao tabaco e a frutas e vegetais, e a variação temporal destas exposições contribui para uma evolução da frequência destes tumores no mesmo sentido. Contudo, a variação na frequência da infeção por H.pylori deverá traduzir-se numa maior carga de morbilidade e mortalidade por cancro do esófago a par de uma menor frequência de cancro do estômago. Apesar da robustez dos conhecimentos sobre as causas destes cancros, não foi ainda demonstrada a forma como a sua ação conjunta tem determinado a carga de doença associada a estes tumores.
Este projeto pretende construir modelos explicativos da variação da incidência dos cancros do estômago e do esófago e utilizá-los para efetuar projeções da carga de doença, tendo em conta a variação expectável na exposição aos principais fatores de risco e o previsível efeito duplo da diminuição da infeção por H. pylori, concorrendo em simultâneo para o declínio do cancro gástrico e para o aumento do cancro esofágico.
Será quantificado o contributo dos diferentes determinantes do cancro do estômago e do esófago para a variação das respetivas taxas de incidência no norte de Portugal, entre 1995 e 2009, e efetuada a validação do modelo noutras populações europeias. Serão efetuadas projeções da carga de doença associada a estes cancros em 2025 e 2040, considerando diferentes cenários de evolução da exposição aos fatores de risco, nomeadamente tendo em conta o potencial impacto de intervenções para prevenção e controlo da infeção por H. pylori, da obesidade e do consumo de tabaco, álcool e sal.
Os resultados esperados desta investigação poderão constituir-se como um importante avanço científico, validando um vasto corpo de conhecimento ainda disperso e contribuindo para perceber a real capacidade de intervenção de que dispomos atualmente para o controlo destes cancros. O desenvolvimento de um modelo baseado no estado da arte do potencial impacto dos determinantes dos cancros do estômago e do esófago, sob diferentes pressupostos, permitirá estimar a carga de doença associada a estes tumores a médio e longo prazo, com aplicação prática direta no planeamento das atividades de prevenção e controlo.