Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP/UP) • Epidemiology Research Unit Institute of Public Health, University of Porto (EPIUnit) •
O aumento do número de mulheres que vivem por períodos mais longos com sequelas do cancro e dos seus tratamentos [1] torna de extrema importância a avaliação da carga global de doença atribuível ao cancro da mama, usando os habituais indicadores de morbilidade e mortalidade, mas também utilizando resultados reportados directamente pelos doentes (patientreported outcomes – PRO) [2].
Nas doentes com cancro da mama, as complicações neurológicas, consequência de progressão tumoral ou efeito secundário dos tratamentos, podem ser incapacitantes em vários domínios [3,4]. Apesar da dor neuropática, a neuropatia periférica induzida pela quimioterapia e o declínio cognitivo serem as mais estudadas, a maior parte dos estudos anteriores têm tempos de seguimento relativamente curtos e não avaliam o momento de início destas complicações, nem a sua ocorrência em simultâneo nas mesmas doentes.
Investigações anteriores demonstraram que os sobreviventes de cancro da mama possuem uma qualidade de vida pior que a população geral [5], que as doentes submetidas a tratamentos de quimioterapia ou radioterapia reportam mais distúrbios do sono [6], que os níveis de ansiedade são maiores nas mulheres que efetuam mastectomia [7], ou que as mulheres mais novas são mais vulneráveis a perdas de rendimentos após o diagnóstico de cancro [8]. Contudo, pouco se conhece sobre papel específico desempenhado pelas complicações neurológicas do cancro da mama como mediadores do impacto do cancro em diferentes resultados reportados pelos doentes.
Este projeto foi desenhado de modo a contribuir para um melhor conhecimento da epidemiologia das complicações do cancro da mama e dos seus tratamentos, assim como do seu impacto em resultados reportados pelos doentes. Compreende dois objetivos específicos: objetivo 1) Quantificar a incidência e prevalência de complicações neurológicas nas doentes com cancro da mama aos três e cinco anos após o diagnóstico; objetivo 2) quantificar a associação entre a ocorrência de cada uma das complicações neurológicas mais frequentes e resultados reportados pelos doentes (qualidade de vida, qualidade de sono, ansiedade e depressão), aos três e cinco anos após o diagnóstico.
Este estudo usará dados provenientes de uma coorte prospetiva de doentes com cancro da mama (N=506), constituída em 2012 e seguida um ano após o diagnóstico [9]. Durante o primeiro ano a incidência cumulativa de pelo menos uma complicação neurológica do cancro da mama foi de 48,4%; as complicações mais frequentes foram a dor neuropática (30,8%), a neuropatia periférica induzida pela quimioterapia (16,8%), o síndrome da mama fantasma (16,6%) e o declínio cognitivo (8,1%). Este projeto compreende a avaliação da coorte de doentes aos três e cinco anos após o diagnóstico de cancro da mama (2015 e 2017, respetivamente), incluindo a avaliação sistemática e com metodologia padronizada de todas as complicações nos mesmos doentes, bem como a avaliação precisa do desempenho cognitivo, usando os testes Montreal Cognitive Assessment [10] e Brain on Track [11]; este último é um teste autoaplicado, efetuado em casa utilizando a internet, repetido em intervalos de tempo regulares e que utiliza subtestes com elementos aleatórios e sequências alternadas para minimizar os efeitos de aprendizagem. Será recolhida informação acerca de diversos resultados reportados pelos doentes (qualidade de vida, qualidade de sono, ansiedade e depressão) nos dois momentos de seguimento.
De forma a quantificar a frequência das complicações neurológicas do cancro da mama aos três e cinco anos após o diagnóstico, serão calculadas estimativas de incidência cumulativas de declino cognitivo e prevalência de dor neuropática e neuropatia periférica induzida pela quimioterapia, e os correspondentes intervalos de confiança a 95%.
A associação entre cada uma das complicações neurológicas prevalentes aos três e aos cinco anos de seguimento e a variação na qualidade de vida, qualidade de sono, ansiedade e depressão, entre a avaliação prétratamento ou a avaliação anual e o terceiro e quinto após o diagnóstico, respetivamente, irá ser quantificada utilizando coeficientes de regressão, ajustados para os possíveis confundidores, e os respetivos intervalos de confiança a 95% através de regressão linear. O cálculo do tamanho amostral necessário para responder aos objetivos, foi efetuado com base na melhor informação disponível, bem como nos resultados das avaliações prétratamento e do primeiro ano de seguimento e na análise preliminar de dados referentes às 20 mulheres já avaliadas aos três anos.
A constituição da coorte e o seguimento das doentes até aos cinco anos foi aprovada pela Comissão de Ética do hospital envolvido.
Os resultados provenientes deste projeto poderão contribuir para uma caracterização mais precisa da carga global de doença associada ao cancro da mama e ao seu tratamento, assim como ajudar a desenvolver estratégias para minimizar o impacto destas condições entre as sobreviventes.