A proporção de homens que têm sexo com homens que são considerados elegíveis para a profilaxia pré-exposição (PrEP) – uma forma de prevenção farmacológica do Vírus da Imunodeficiência Humana (VIH) para pessoas em maior risco – variou até 20 pontos percentuais de acordo com as linhas orientadoras atualmente existentes, definidas por entidades nacionais e internacionais.
A conclusão, que resulta de um artigo do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP), recentemente publicado na revista Sexuality Research and Social Policy, teve em consideração os critérios de elegibilidade da Organização Mundial da Saúde (OMS), do Centro de Controlo e Prevenção das Doenças dos Estados Unidos (US-CDC), da Sociedade Clínica Europeia para a Sida (EACS) e do Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Como explica Paula Meireles, primeira autora do trabalho, coordenado por Henrique Barros, “é necessário apostar na prevenção do VIH nesta população, uma vez que, entre os anos de 2007 e 2015, houve um aumento anual no número de casos da infeção, atribuídos a homens que têm sexo com homens. A PrEP é uma das formas de prevenção do VIH, indicada para pessoas que estão em maior risco de contrair a infeção, nomeadamente, indivíduos que têm relações sexuais com pessoas VIH positivas e com a carga vírica não suprimida, pessoas que não usam o preservativo de forma consistente, que tiveram recentemente alguma infeção sexualmente transmissível ou que fizeram profilaxia pós-exposição. Era importante perceber a dimensão da variação na indicação para a PrEP entre as guidelines, e é neste sentido que surge este trabalho”.
Os investigadores decidiram avaliar a variação na indicação para a prescrição da PrEP, num grupo de 3392 indivíduos sem VIH, participantes da Coorte de Lisboa dos Homens que têm Sexo com Homens (Lisbon MSM Cohort), um estudo longitudinal português, iniciado em 2011, que acompanha homens que têm sexo com homens, que fazem teste do VIH no CheckpointLX, um centro de base comunitária em Lisboa.
Os autores utilizaram os dados da primeira avaliação dos participantes da coorte, realizada entre março de 2014 e 2018. A informação recolhida incidiu sobre o comportamento sexual dos participantes, o tipo de parceiros e relações sexuais praticadas, o uso de preservativo, o consumo de substâncias psicoativas, a existência de infeções sexualmente transmissíveis e o historial da profilaxia pré e pós-exposição.
A partir desta informação, “procurámos entender, tendo por base as características comportamentais destes participantes, quem é que teria indicação para a PrEP, considerando as principais linhas orientadoras atualmente existentes”, refere Paula Meireles.
Verificou-se que, segundo os critérios da Sociedade Clínica Europeia para a Sida, 46.5% dos participantes na coorte teriam indicação para a PrEP e que, de acordo com as linhas de orientação do US-CDC seriam 67.7%. Trata-se de uma diferença superior a 20 pontos percentuais na proporção de elegibilidade para o medicamento.
“Estes resultados mostram-nos que, consoante os indicadores que são incluídos nas guidelines, há uma grande variação na proporção de pessoas elegíveis e isto tem implicações, nomeadamente, na distribuição de recursos e na abordagem à predição do risco. Vemos que uma mesma pessoa pode ser classificada de forma diferente consoante os critérios”, nota a investigadora.
“Para contornar o problema, pode haver um esforço de uniformização das guidelines existentes, mas também se pode passar para um modelo de prescrição do medicamento mais focado em avaliar se a PrEP é uma boa opção de prevenção, adequada às necessidades e preferências daquela pessoa”, acrescenta.
O artigo, intitulado Eligibility for Pre-exposure Prophylaxis According to Different Guidelines in a Cohort of HIV-Negative Men Who Have Sex with Men in Lisbon, Portugal, foi desenvolvido no âmbito da Unidade de Investigação em Epidemiologia (EPIUnit) do ISPUP. Os investigadores Michael Plankey, Miguel Rocha, Jesus Rojas e João Brito também participaram no trabalho.
Imagem: Pixabay/tomash40