O consumo de álcool durante a gravidez afeta negativamente o funcionamento dos rins das crianças, alguns anos após o nascimento,concluiu um estudo desenvolvido no âmbito da Unidade de Investigação em Epidemiologia (EPIUnit) do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP). Verificou-se que esta associação é significativa nas crianças que, durante a infância, apresentam excesso de peso ou obesidade.
A investigação, publicada na revista Pediatric Nephrology, mostrou, pela primeira vez, que os rins das crianças que são expostas ao álcool no útero materno apresentam um pior funcionamento durante a infância. Como explica Liane Correia Costa, primeira autora do trabalho, coordenado por Ana Azevedo, “sabíamos, através de modelos animais, que o consumo de álcool durante a gravidez afeta o desenvolvimento dos rins do feto, levando a uma diminuição no número total de nefrónios, a unidade funcional do rim. Contudo, faltavam estudos que mostrassem esta associação em humanos e, com este trabalho, conseguimos fazê-lo”.
O artigo explorou a possibilidade de existirem fatores relacionados com a criança que pudessem influenciar a associação encontrada entre a ingestão de álcool na gravidez e o mau funcionamento renal. E verificou-se que a relação é mais forte e apenas significativa nas crianças com excesso de peso ou obesidade.
“As crianças que foram expostas ao álcool ainda no útero materno têm um menor número de nefrónios, as unidades funcionais que filtram o sangue nos rins. Estas crianças, que já têm um número de nefrónios inferior, se desenvolverem excesso de peso ao longo da infância, ou mais tarde, vão sobrecarregar ainda mais os seus rins, que vão ter de filtrar um maior volume de sangue, correspondente à maior massa corporal destes meninos/as. Esta sobrecarga de filtração que é imposta aos rins, a longo-prazo, condiciona alterações renais e conduz ao seu mau funcionamento”, refere a investigadora.
Para chegarem a estes resultados, os autores do estudo, analisaram dados relativos ao funcionamento renal de 1093 crianças, com 7 anos de idade, pertencentes à coorte Geração XXI – um estudo longitudinal que segue, desde 2005, cerca de 8600 participantes que nasceram nas maternidades públicas da Área Metropolitana do Porto – e usaram informação sobre o consumo reportado de álcool por parte da mãe (tipo de bebida, quantidade e frequência da ingestão).
O álcool deve ser evitado em qualquer dose e durante toda a gravidez
Concluiu-se que 13% das mães das crianças participantes no estudo consumiram álcool durante a gravidez. E observou-se que o efeito negativo nos rins da criança aumenta quanto maior for a quantidade de álcool ingerida. “Tendo em conta os efeitos nefastos encontrados, a recomendação deve mesmo ser que o álcool deve ser evitado, em qualquer dose e durante toda a gravidez”, frisa Liane Correia Costa.
Para a investigadora, este estudo parece reforçar que “o álcool interfere com a formação dos nefrónios e atua como um fator de vulnerabilidade no funcionamento dos rins. Quando a este fator acresce a presença de excesso de peso na criança, o risco de evolução para doença renal crónica é significativamente superior. Desta forma, o reconhecimento do álcool como um fator de risco potencialmente modificável durante a gravidez, deve colocar em marcha um reforço das estratégias para a sensibilização da população para estes riscos. Além disso, é importante apostar em estratégias que visem prevenir o excesso de peso e a obesidade em idade pediátrica”.
O artigo intitula-se Prenatal alcohol exposure affects renal function in overweight schoolchildren: birth cohort analysis. Os investigadores Franz Schaefer, Alberto Caldas Afonso, Sofia Correia, João Tiago Guimarães, António Guerra e Henrique Barros também assinam o trabalho.
Imagem: Unsplash/Heather Mount