Paulo Melo, investigador do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP), é o primeiro autor de três artigos dirigidos a dentistas que apresentam uma abordagem rigorosa ao controle da infeção por SARS-CoV-2, nas clínicas dentárias, aplicável durante o período mais crítico da pandemia.
Os trabalhos, recentemente publicados no International Dental Journal, contêm recomendações destinadas a auxiliar os médicos dentistas, na fase mais inicial da pandemia de COVID-19.
“Apesar de algumas das orientações propostas não serem atualmente exigidas, muitos dos procedimentos indicados podem ser ainda necessários em países com situações epidemiológicas desfavoráveis”, diz o investigador, que é também docente na Faculdade de Medicina Dentária da U.Porto e foi coordenador da resposta à COVID-19 na Ordem dos Médicos Dentistas (OMD), nos primeiros meses da pandemia, em Portugal.
“Estes três artigos apresentam recomendações para a prática clínica que podem ser aplicadas em qualquer lugar do mundo. Tendo sido submetidos antes do início da fase de vacinação, eles mantêm-se úteis e atuais, pela versatilidade das medidas aplicadas e pela forma como explicam o modo como o médico dentista deve adequar a sua prática à situação epidemiológica de cada país”, refere.
Modelo de gestão de risco para as clínicas dentárias
O primeiro artigo da série de três, designado COVID-19 Management in Clinical Dental Care Part I: Epidemiology, Public Health Implications and Risk assessment, faz um enquadramento geral sobre as condições epidemiológicas do SARS-CoV-2 e propõe um modelo de gestão do risco para as clínicas dentárias.
Considerando os modos de transmissão do novo coronavírus, o paper especifica que “o ambiente de atendimento em consultório deve ser sempre considerado de risco para os profissionais envolvidos, uma vez que existe contacto interpessoal a menos de um metro, há contacto com a saliva e, em alguns casos, existe produção de aerossóis”.
Sublinha-se que os médicos dentistas devem avaliar o risco de cada visita ao consultório, considerando três fatores: a situação epidemiológica do país quando o atendimento é prestado; as características do paciente; e o tipo de procedimentos a realizar.
No que toca a situação epidemiológica, indica-se que “as medidas de proteção a implementar devem variar, de acordo com o contexto epidemiológico que cada país atravessa”. Segundo Paulo Melo, “há contextos em que o grau de contágio é muito baixo e, por isso, não é necessário adotar procedimentos extremos, e outros em que temos de ter o máximo dos cuidados. Cabe ao médico dentista fazer esta apreciação”.
Relativamente à avaliação do grau de risco do paciente, há que ter em conta que qualquer pessoa pode ser portadora do vírus, mesmo sem apresentar sintomas, e que é preciso despistar, através de um contacto prévio, os pacientes que podem estar infetados com a COVID-19. Importa ainda identificar quem são os indivíduos de alto risco – aqueles que se ficarem infetados com o vírus podem desenvolver formas mais severas da doença -, e garantir que estão realmente protegidos quando se deslocam ao consultório ou clínica.
O trabalho sublinha que os procedimentos dentro do consultório devem ser classificados em intervenções de risco baixo, moderado ou alto, consoante haja, ou não, a produção de aerossóis. “Apesar de continuar a não haver evidência científica sólida nesta área, os procedimentos que envolvem a produção de aerossóis são sempre considerados de risco elevado e, portanto, devem exigir os máximos cuidados”, explica o investigador.
A equipa do consultório deve ser responsável por gerir estas considerações, seguindo as recomendações das autoridades de saúde locais.
O uso adequado dos equipamentos de proteção individual
O segundo artigo da série de três, intitulado COVID-19 Management in Clinical Dental Care Part II: Personal Protective Equipment for the Dental Care Professionals, coloca o seu enfoque nos equipamentos de proteção individual (EPI) a utilizar na clínica e aborda a importância da vacinação.
Os autores fazem uma análise aos EPI disponíveis para o médico dentista, especificando a forma adequada de os utilizar. “Concretamente, explicamos como é que os profissionais devem vestir e despir os EPI e a sequência que tem de ser feita na colocação e remoção dos equipamentos, de forma a não ficarem contaminados durante o processo”, frisa.
Sublinha-se que a escolha dos EPI deve ter em conta o nível de risco do procedimento, o estado da infeção em cada país, as políticas de prevenção implementadas e os equipamentos de proteção disponíveis. Caso o equipamento ideal esteja indisponível no país, é necessário selecionar alternativas que sejam igualmente válidas e seguras.
“Pretendemos neste artigo dar instruções claras aos médicos dentistas, para que estes depois possam decidir por si o que conseguem fazer, em função da realidade epidemiológica em que se encontram”, refere.
Cuidados a ter na manutenção da clínica de medicina dentária
Por fim, o último artigo, designado COVID-19 Management in Clinical Dental Care Part III: Patients and the Dental Office, apresenta recomendações sobre os cuidados a ter na manutenção da clínica dentária e aponta medidas de proteção a implementar pelo médico dentista e pelo paciente.
No documento, destaca-se, por exemplo, a importância da triagem remota dos pacientes, via telefone ou e-mail, antes do agendamento da consulta, para saber se estes têm condições de ir ao consultório, e recomenda-se a marcação de consultas para os pacientes de grupos de risco, para o início da manhã ou fim da tarde.
Refere-se igualmente a necessidade de passar informação aos pacientes sobre os procedimentos a adotar, desde o momento em que entram no consultório até ao momento em que saem.
Adicionalmente, são indicadas as medidas de higiene e de desinfeção a implementar nos espaços comuns do consultório – receção, sala de espera e casas de banho – e mencionados os procedimentos que os médicos dentistas devem seguir para minimizar o risco de contágio, durante as consultas.
De acrescentar que a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou este ano três vídeos animados que abordam as recomendações presentes neste paper.
“Com estes três artigos, procurámos fornecer informação de relevo para a gestão da pandemia por parte das clínicas dentárias, durante o período mais crítico da pandemia de COVID-19, facultando informação simples e fácil de consultar. As orientações apresentadas servem de referência para o futuro, caso nos voltemos a deparar com novas pandemias”, resume.
“Alguns países encontram-se agora numa fase avançada do plano de vacinação, privilegiando os grupos de risco, o que também implica uma adaptação nas recomendações apresentadas. Importa sublinhar, contudo, que, mesmo vacinado, o paciente pode ser portador da doença, pelo que os procedimentos devem manter-se adaptados à realidade epidemiológica local”, remata.
Os três trabalhos são assinados por autores portugueses, de todas as faculdades de medicina dentária do país, que integraram o grupo de trabalho da OMD, responsável pela resposta à COVID-19, até julho de 2020.
Sobre Paulo Melo
Paulo Melo é investigador da Unidade de Investigação em Epidemiologia do ISPUP e do Laboratório para a Investigação Integrativa e Translacional em Saúde Populacional. É também docente na Faculdade de Medicina Dentária da Universidade do Porto.
Em Portugal, foi responsável na OMD pela coordenação da resposta à COVID-19, na área da medicina dentária, e é perito externo das recomendações emanadas pela OMS sobre o tema.
É coordenador do grupo de trabalho da Federação Dentária Internacional (FDI) na resposta à COVID-19 e pertence à Direção da FDI, que representa os médicos dentistas de todo o mundo, junto da OMS e de outras instituições internacionais. Integra também a Direção do Council of European Dentists – a organização composta pelas associações dentárias de todos os países da comunidade europeia.
Imagem: Pixabay/StockSnap