O Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP) avaliou a prevalência de lesões e de problemas de saúde relacionados com o trabalho, numa amostra de mães da coorte Geração XXI, e conclui que quase um quarto destas mulheres sofreu, ao longo da sua vida profissional, pelo menos uma lesão em contexto laboral, e que um terço já apresentou algum problema de saúde causado pelo trabalho. As doenças musculoesqueléticas e do foro mental são os problemas de saúde relacionados com o trabalho que mais afetam estas mães.
As conclusões apresentadas resultam de dois estudos levados a cabo por investigadores do ISPUP para compreender qual a prevalência de lesões e de problemas de saúde relacionados com o trabalho entre as mães da coorte Geração XXI – um estudo longitudinal do ISPUP que segue, desde 2005, cerca de 8600 participantes que nasceram nas maternidades públicas da Área Metropolitana do Porto, e que tem também acompanhado as suas mães.
“Decidimos aproveitar a riqueza que uma coorte desta dimensão traz para estudarmos as lesões e problemas de saúde relacionados com o trabalho, numa amostra de mulheres da região Norte de Portugal”, indica a investigadora Joana Amaro, primeira autora dos dois trabalhos, coordenados pela investigadora do ISPUP, Raquel Lucas.
“Normalmente, as publicações sobre os problemas laborais focam-se num determinado setor de atividade ou grupo profissional, ou até em estatísticas oficiais. Necessitamos, por isso, de estudos que coloquem também o enfoque nos trabalhadores e em particular nas mulheres, dado que estas apresentam mais frequentemente vínculos laborais atípicos, podendo assim escapar às estatísticas oficiais de lesões e de problemas de saúde relacionados com o trabalho”, acrescenta Joana Amaro.
Mais de 4 mil mulheres estudadas
Foram estudadas mais de 4 mil mulheres. Analisaram-se as características do trabalho destas mães e também aspetos individuais como o estado civil, o rendimento do agregado familiar e o índice de massa corporal. Caracterizou-se o tipo de lesões que estas mulheres sofreram devido a acidentes laborais e os problemas de saúde relacionados com o trabalho que tiveram, desde o início da sua atividade profissional, a partir de um questionário a que responderam. Procurou-se também identificar de que forma os problemas de saúde relacionados com o trabalho se agregavam entre si.
Quase 22% das mães tiveram, pelo menos, uma lesão resultante de um acidente de trabalho
Na primeira investigação, designada Work-life prevalence of self-reported occupational injuries in mothers of a birth cohort, publicada na revista International Journal of Occupational Safety and Ergonomics, os autores concluíram que quase 22% das mães analisadas tiveram, pelo menos, uma lesão resultante de um acidente de trabalho ao longo da sua atividade profissional, e que quase 10% tiveram mais do que um dano ao longo da vida.
5% teve uma lesão nos últimos 12 meses. Os danos mais frequentes foram feridas e lesões superficiais, seguidas de luxações, entorses e distensões.
As mulheres com profissões tipicamente mais manuais, como sejam as trabalhadoras da agricultura, da pesca, da indústria, artífices, operadoras de máquinas e de trabalhos não qualificados, foram as que mais sofreram lesões em contexto laboral.
As mães da coorte com um historial de lesões ao longo da vida, apresentaram também um maior risco de ter problemas de saúde (não traumáticos) relacionados com o trabalho. Além disso, estas mulheres também vivem com um companheiro que já sofreu alguma lesão em contexto laboral, o que poderá constituir uma sobrecarga a vários níveis para o agregado familiar.
Note-se que aquelas que fumam, são obesas, e dormem pouco, sofreram mais danos em contexto de trabalho.
Problemas musculoesqueléticos e do foro mental são os que mais afetam as mães
Na segunda investigação, publicada na revista WORK: A Journal of Prevention, Assessment & Rehabilitation, e intitulada History of work-related health problems in a population-based sample of women: An exploratory factor analysis, constatou-se que um terço das mães (31,5%) da Geração XXI reportaram ter tido pelo menos um problema de saúde relacionado com o trabalho, desde o início da sua atividade profissional.
O grupo das doenças musculoesqueléticas, onde se incluem problemas relacionados com as costas, membros superiores e pescoço, e membros inferiores, foram o grupo de problemas de saúde ocupacionais mais reportados (cerca de 40%). As mulheres com estes problemas de saúde estão ligadas a profissões mais manuais e exigentes fisicamente e reportam também mais acidentes no trabalho. Além disso, têm uma escolaridade mais baixa, um índice de massa corporal mais alto e são fumadoras.
A par das doenças musculoesqueléticas, também as patologias de foro psicológico, onde se incluem o stress, a depressão, a ansiedade e outros problemas de ordem mental, se agregaram às dores de cabeça e fadiga visual, sendo também muito comuns na amostra (38,2%). As mulheres mais afetadas por este grupo de problemas têm escolaridade mais alta, rendimentos mais elevados, e trabalhos menos manuais, com cargos de maior responsabilidade e chefia.
Olhando apenas para as doenças de foro psicológico, percebe-se que estas afetam 21,3% das mulheres da Geração XXI. Segundo Joana Amaro, “este resultado é interessante uma vez que, nas estatísticas oficiais, os problemas do foro psicológico não aparecem, uma vez que são raros os países que os reconhecem como doenças profissionais, ou seja, doenças causadas pelo trabalho”.
Adicionalmente, foram também identificados grupos de problemas de saúde ocupacionais relacionados com o foro digestivo, rins, estômago e fígado; doenças respiratórias ou relacionadas com o pulmão; e problemas de audição.
O impacto das lesões e das doenças ocupacionais no agregado familiar
Para Joana Amaro, “importa abordar as consequências das lesões e das doenças relacionadas com o trabalho numa perspetiva mais ampla, considerando o impacto que estas têm na família e na sociedade”.
“Percebemos, através destes estudos, que a maior probabilidade de lesões e a maior prevalência de problemas de saúde ocupacionais ocorre em mães com menor escolaridade, com profissões mais indiferenciadas, e que vivem com um companheiro que partilha também um risco elevado de lesão por acidente de trabalho ou de desenvolver um problema de saúde relacionado com o trabalho. Além disso, sabemos que tanto as lesões como os problemas de saúde laborais estão associados a faltas ao trabalho e a perda de rendimento, o que se traduz em consequências nefastas tanto do ponto de vista financeiro e laboral, não só para a pessoa, mas também para o agregado familiar”, remata.
Os investigadores Ana Catarina Queiroga, João Amaro e Ingrid Sivesind Mehlum participaram também na primeira investigação e Mònica Ubalde-López na segunda.
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