Um estudo do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP) constatou que, perante uma situação de emergência de saúde pública, como a pandemia de COVID-19, a perceção de organização da instituição e a existência de infraestruturas e de equipamentos de proteção individual (EPI) adequados são fundamentais para uma maior prontidão de resposta dos profissionais de saúde.
Observou ainda que os profissionais que percecionam a sua atuação como relevante para a resposta a uma emergência de saúde pública apresentam também maior disposição para atuar. Estes aspetos, assim como a atenção para o risco de burnout dos profissionais de saúde por excesso de trabalho, devem ser tidos em consideração pelas organizações hospitalares e cuidados de saúde primários, em futuras emergências de saúde pública.
A investigação, designada Preparedness in a public health emergency: determinants of willingness and readiness to respond in the onset of the COVID-19 pandemic, foi realizada com o objetivo de perceber quais os fatores que influenciam a preparação (preparedness) dos profissionais de saúde perante uma nova emergência de saúde pública.
Como explica Teresa Leão, primeira autora do estudo, investigadora do ISPUP, e coordenadora do Laboratório Políticas e Saúde, que integra o Laboratório associado para a Investigação Integrativa e Translacional em Saúde Populacional (ITR), “este estudo foi realizado logo no início da pandemia, quando os serviços de saúde estavam a lidar com casos de infeção por um novo vírus, sobre o qual pouco conhecíamos. Estávamos, então, perante uma nova emergência de saúde pública, que estava a colocar os sistemas de saúde em sobrecarga”.
Para tentar perceber que fatores se associavam a uma maior preparação (preparedeness) dos profissionais perante esta nova emergência de saúde pública, os investigadores decidiram realizar um questionário online junto dos trabalhadores da Unidade Local de Saúde (ULS) de Matosinhos, durante a primeira vaga de COVID-19.
“Considerámos esta ULS como uma boa amostra, porque iríamos poder questionar diferentes profissionais, desde assistentes operacionais até médicos e enfermeiros, a desempenhar funções nos cuidados de saúde primários e hospitalares, os quais contêm serviços de infeciologia, medicina interna, medicina intensiva, pediatria, medicina geral e familiar, e saúde pública, entre outros, envolvidos na resposta de primeira linha desde o início da pandemia”, refere Teresa Leão.
Entre maio e junho de 2020, período correspondente ao final da primeira vaga da pandemia de COVID-19 em Portugal, foram questionados 252 trabalhadores.
O questionário online procurava avaliar a disposição, as competências e a prontidão dos profissionais da ULS de Matosinhos na resposta a esta nova emergência de saúde pública. Por disposição entende-se os fatores individuais e o contexto externo ao indivíduo que lhe dão uma carga emocional e psicológica para conseguir responder; a competência tem a ver com os conhecimentos técnicos necessários para responder adequadamente; e a prontidão com os recursos disponíveis, sejam eles humanos, equipamentos ou infraestruturas organizacionais que permitem uma resposta rápida.
Cerca de 60% das respostas aos questionários foi dada por profissionais que trabalhavam na chamada “linha da frente”.
Concluiu-se que a maioria dos trabalhadores considerou estar pronto para responder à pandemia, e que esta prontidão era superior entre as pessoas que estavam na “linha da frente”.
Os fatores que mais influenciaram a prontidão dos trabalhadores estavam relacionados com a perceção da existência de infraestruturas adequadas, o acesso aos EPI e a uma boa organização dentro da instituição. A maioria dos participantes no estudo considerou que a ULS de Matosinhos correspondeu às expectativas quanto a estes aspetos. Além do mais, a maioria dos funcionários tinha conhecimento do plano de contingência da instituição.
A investigação publicada na revista científica Public Health demonstrou que os profissionais que entendiam que o seu trabalho não era capaz de fazer diferença e que não sabiam como contribuir para ajudar a solucionar a pandemia, apresentavam uma menor disposição para atuar. A perceção de não ser capaz de contribuir para a resolução do problema foi superior nos que não estavam a trabalhar na “linha da frente”.
Paralelamente, as pessoas da “linha da frente” que contactaram com a morte de colegas ou com doentes portadores de COVID-19 também mostraram uma menor disposição para agir.
Outro aspeto a salientar prende-se com o facto de mais de um quarto dos inquiridos apresentarem um risco elevado ou severo de burnout, sendo esta proporção superior entre aqueles que não estavam na “linha da frente”.
De acordo com Teresa Leão, “verificámos que um risco mais elevado de burnout estava associado a uma maior disposição para atuar. Isto pode significar que as pessoas que estavam mais dispostas a agir eram as que estavam a trabalhar com maior intensidade, e por isso mesmo, apresentavam maior risco de burnout”.
Os investigadores destacam a importância de uma comunicação eficaz por parte das organizações prestadoras de cuidados de saúde para garantir uma resposta adequada a uma situação de emergência de saúde pública, priorizando a distribuição clara de funções e o apoio psicológico aos trabalhadores, principalmente aos que se encontram na “linha da frente”.
“Quando estamos perante uma nova emergência de saúde pública, nomeadamente perante um novo vírus, é importante que as instituições pensem se têm infraestruturas adequadas, mas que também se questionem sobre a forma como os trabalhadores percecionam a organização na instituição, e se sabem como devem atuar”, indica Teresa Leão.
“Importa também que os profissionais percebam claramente qual o seu papel num cenário de um problema de saúde pública emergente e que entendam que a sua atuação é importante para resolver o problema. Um último ponto fundamental tem a ver com o risco de burnout entre os profissionais de saúde. É necessário garantir que as equipas de saúde mental que estão disponíveis nestas unidades estejam, também, a olhar pelo risco dos seus próprios funcionários”, conclui.
O estudo contou também com a participação de Gustavo Duarte, membro da Unidade Local de Saúde de Matosinhos, e com a de Gonçalo Gonçalves, do INESC-TEC.
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