Em 2022, uma equipa de investigadores do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP), em parceria com o Centro de Investigação em Pandemias e Sociedade (PANSOC) da Noruega, propôs-se a estudar o impacto da parentalidade na vida profissional e pessoal de mães e pais, e no bem-estar. Cerca de dois anos depois, as conclusões do projeto MERIT – MothER Income InequaliTy mostram que as mulheres perdem cerca de 29% dos seus rendimentos após serem mães.
O projeto MERIT – MothER Income InequaliTy surgiu “na tentativa de explicar parte da desigualdade de género nos rendimentos e no bem-estar de mulheres e homens. Sabemos que os papéis de género tendem a manter-se, e a evidenciar-se durante a parentalidade, mas quisemos estimar o impacto do nascimento de um filho na vida profissional e pessoal das mulheres e homens, de forma a melhor perceber a origem das desigualdades de género e como as podemos mitigar”, explica Teresa Leão, coordenadora do projeto, médica de saúde pública, investigadora no ISPUP e professora na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.
Para melhor compreender o impacto da parentalidade, os investigadores combinaram quatro estudos: dois quantitativos e dois qualitativos.
De forma a estimar o impacto da parentalidade na vida profissional e no bem-estar, os investigadores conduziram um estudo quantitativo usando dados de dezenas de países europeus, incluindo Portugal, recolhidos entre 2004 e 2020. Os dados indicaram que, em Portugal, os homens que se tornaram pais experienciaram um prémio relacionado com a parentalidade de 15%, em média e a curto prazo, enquanto, nas mulheres que se tornaram mães, a variação relativa do rendimento não foi significativa. Em relação aos que mudaram a sua condição perante o emprego, 18% dos homens e 12% das mulheres passaram a ter um emprego remunerado. Estes resultados contrastaram com os observados noutros países europeus onde, em média, as mulheres sofreram uma perda de 29% dos seus rendimentos. Em 70% das mulheres com mudança da carga laboral, verificou-se uma redução do número de horas de trabalho para menos de 40 horas semanais. Tal como em Portugal, na Europa, em média, os homens receberam um aumento de 12% dos seus rendimentos. De entre os pais e mães portugueses que sentiram que o seu estado de saúde se alterou aquando da parentalidade, 63% das mulheres e 73% dos homens reportou uma transição de um nível muito bom para um nível inferior, enquanto na quase totalidade dos países europeus estudados a transição foi equilibrada.
Os desafios relacionados com a parentalidade tendem a ser mais intensos nos primeiros anos de vida das crianças, esta foi a conclusão do segundo estudo quantitativo que olhou para os dados da coorte Geração XXI e procurou analisar a carga relacionada com as tarefas domésticas e o cuidar nos diferentes estádios da vida familiar, e o conflito entre a vida pessoal e profissional. Em Portugal, enquanto um terço dos pais trabalha mais de 48 horas semanais (um sexto das mães também o faz), metade das mães dedica mais de 13 horas por semana a tarefas domésticas de rotina (versus cerca de um quinto dos homens). Tanto os pais como as mães reportaram despender mais horas em tarefas domésticas ou de apoio aos filhos quando estes têm 5 anos ou menos. No entanto, as mães demonstraram uma maior probabilidade de se dedicar a tarefas relacionadas com as crianças, em famílias com crianças mais pequenas, enquanto os pais revelaram uma maior probabilidade de trabalhar mais horas remuneradas. As mães reportaram maior probabilidade de conflito trabalho-família nas famílias com crianças mais pequenas, enquanto nos pais não foram encontradas diferenças.
Para melhor compreender esta temática, foram analisadas as perceções de homens e mulheres sobre como a parentalidade afetou a sua vida profissional, pessoal e o seu bem-estar, e que medidas ou apoios os ajudaram a atenuar este impacto. Foram entrevistados 30 pais e mães portugueses, a viver dentro e fora de Portugal. Os resultados mostraram que as mulheres portuguesas continuam a assumir a maioria das responsabilidades familiares e, mesmo que quando mantêm a profissão a tempo inteiro, sentem que a progressão na carreira é limitada pela necessidade de responder a tarefas de cuidado dos filhos. “Temos que ser mães como se não fossemos profissionais e temos que ser profissionais como se não fossemos mães”, referiu uma das mães entrevistadas a residir em Portugal. De entre os que residiam fora de Portugal, os entrevistados partilharam que há uma maior flexibilidade do mercado de trabalho, verificou-se que são as mulheres as que reduzem a sua carga laboral remunerada, passando a trabalhar em part-time. No caso dos homens, o impacto profissional, a existir, foi no sentido de aumentar a carga laboral, transitar para cargos mais bem remunerados ou para segundas ocupações, para garantir o sustento da família. Assim, ainda que os pais tenham reportado cansaço e menor disponibilidade para exercício físico ou alimentação saudável, foram as mulheres as que mais reportaram ansiedade e sensação de culpa. Esta discrepância sentiu-se também na pandemia de COVID-19, durante a qual as mulheres reportaram uma sobrecarga de trabalho remunerado e não remunerado, o que não ocorreu com alguns homens, que valorizaram o tempo extra de qualidade que passaram com os filhos, enquanto estiveram em teletrabalho.
Ainda que globalmente exista uma disponibilização de medidas de apoio à parentalidade a ambos os progenitores, diferentes perspetivas de género poderão contribuir para um acesso e utilização desigual, entre homens e mulheres. A utilização das medidas maioritariamente pelas mães espelha, primeiramente, a crença de que este é um direito e dever da mãe. Assim, mesmo em países mais progressistas, as perspetivas tradicionais de género podem influenciar o acesso dos pais às licenças de parentalidade, a dispensa para aleitação ou a outras medidas de flexibilização do trabalho, as quais eram amplamente valorizadas pelos entrevistados. “O meu marido teria feito o mesmo que eu [reduzido a carga laboral]. Se bem que para ele, eu acho que teria sido mais difícil vender isso ao chefe. Porque acaba por haver sempre o tal preconceito: um homem trabalha, a mulher fica em casa”, contou uma das mães entrevistadas a residir fora de Portugal. Em segundo lugar, o desconhecimento dos próprios pais da possibilidade de acesso a algumas das medidas de apoio à parentalidade pode contribuir para o seu menor usufruto.
A análise das políticas de apoio às famílias com filhos em idade infantil em Portugal e noutros 11 países europeus permitiu melhor contextualizar estes resultados. Verificou-se que, apesar da implementação destas políticas ser transversal na Europa, há uma ampla heterogeneidade no que toca ao seu desenho. Enquanto países como a Suécia e a Noruega têm a igualdade de género como ambição a longo prazo e, por isso, proporcionam licenças longas com divisão em períodos similares para mulheres e homens, não transferíveis entre si, noutros países, como o Reino Unido e a Irlanda, as licenças parentais são mais limitadas, em termos de duração e remuneração, e existe flexibilidade quanto aos regimes de trabalho, mas com as mães a assumir regimes a tempo parcial. Em Portugal, denotam-se incentivos para a partilha das licenças parentais por ambos os pais e o alargamento da oferta pública de serviços de apoio à infância, ainda que seja ainda um recurso que não cobre todas as necessidades.
O olhar atento sobre estes diferentes resultados permite identificar pontos comuns que determinam o impacto da parentalidade nos rendimentos, na vida profissional e bem-estar e na saúde das mulheres e homens portugueses e uma comparação com outros países europeus. Neste sentido, a última etapa do projeto MERIT prevê a elaboração de recomendações que atenuem o impacto da parentalidade nos rendimentos, no percurso profissional e no bem-estar, tendo em vista a redução das assimetrias de género.
Estas recomendações serão apresentadas no seminário final do projeto aberto a toda a comunidade, agendado para o próximo dia 1 de março, às 10:00-12:30, no ISPUP. Os resultados e estas recomendações serão discutidas com Paulo Pedroso (Professor ISCTE-IUL e Presidente do Causa Pública), Albertina Jordão (Organização Internacional do Trabalho) e Rita Sá Machado (Diretora-Geral da Saúde).
O projeto MERIT – MothER Income InequaliTy foi um dos cinco projetos vencedores do concurso “Small Grant Scheme #3”, financiado pelo mecanismo financeiro EEA Grants, do Espaço Económico Europeu, que apoia projetos e iniciativas em quinze Estados-membros que pretendem reduzir as disparidades sociais e económicas na Europa.
Enquadrados no Programa Conciliação e Igualdade de Género, operado pela Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG), os projetos selecionados estão alinhados com a Estratégia Nacional para a Igualdade e a Não Discriminação “Portugal + Igual” (2018-2030).