Decorreu, entre 24 e 27 de setembro, na Cidade do Cabo, África do Sul, o Congresso Mundial de Epidemiologia (WCE2024), um encontro científico que reuniu mais de 1200 epidemiologistas de todo o mundo. O evento trienal, organizado pela Associação Internacional de Epidemiologia (IEA), aconteceu pela primeira vez em solo africano, reiterando a crescente relevância do continente no campo da investigação epidemiológica. O tema central do congresso foi “Epidemiologia e complexidade: desafios e respostas”, e a discussão, ao longo dos quatro dias, foi essencialmente marcada por questões globais como as alterações climáticas, as pandemias, a saúde mental e o papel dos dados (big data) na saúde pública.
Uma equipa de investigadores do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP) participou ativamente no evento, com comunicações orais, posters científicos e moderação de sessões, destacando-se entre os mais de 300 palestrantes.
Numa sessão dedicada à Epidemiologia Social, Mariana Amorim, investigadora do ISPUP, apresentou a comunicação “A dyadic analysis of violence exposure through parental disciplinary practices in a population-based cohort”. O seu estudo centrou-se na exposição à violência através de práticas disciplinares parentais, utilizando uma análise diádica numa coorte populacional. A investigadora moderou ainda uma sessão sobre Lifecourse epidemiology.
Por sua vez, Paula Meireles, investigadora do ISPUP, apresentou a comunicação “HIV occurrence over 12-year period in the Lisbon Cohort of MSM: prevalence at baseline and incidence rate”. O estudo em questão analisou a prevalência e a incidência do VIH na coorte de Lisboa de Homens que têm sexo com Homens (MSM), ao longo de 12 anos.
No mesmo dia, a investigadora do ISPUP, Ana Henriques, apresentou a sua comunicação “Social isolation, loneliness and multimorbidity in Portuguese older adults: findings from the EPIPorto cohort”, focando-se na relação entre isolamento social, solidão e multimorbilidade em adultos mais velhos, em Portugal. Ana Henriques foi ainda moderadora de duas sessões importantes: uma sobre epidemiologia do envelhecimento, moderada também por Henrique Barros, do ISPUP, e outra sobre neuroepidemiologia.
As investigadoras do ISPUP, Sílvia Fraga, Ana Isabel Ribeiro e Ana Barbosa tiveram também uma participação ativa no WCE através da apresentação de posters científicos.
À margem do congresso, a Associação Internacional de Epidemiologia (IEA) aproveitou a presença dos seus membros na Cidade do Cabo para realizar algumas reuniões. Neste contexto, decorreu a tomada de posse de Raquel Lucas, investigadora e membro da Direção do ISPUP, para o cargo de representante da IEA para a região europeia, para o qual tinha sido eleita em março de 2024 e que ocupará durante os próximos três anos, até 2027.
O primeiro dia de congresso foi dedicado à formação dos jovens epidemiologistas, com uma série de workshops disponíveis no programa. Estes workshops focaram-se em temas como a integração entre a ciência e a saúde pública e o desenvolvimento de currículos avançados em epidemiologia.
A sessão inaugural do evento, que aconteceu ao final da tarde, incluiu a “Richard Doll Lecture”, apresentada por Deborah Lawlor e a palestra principal do congresso, proferida por Jean Nachega, que destacou o papel do continente africano na formação e na investigação em epidemiologia. Nachega salientou que as universidades africanas, como a Universidade da Cidade do Cabo, estão a atrair cada vez mais estudantes de todo o mundo, invertendo a tendência histórica de serem os estudantes africanos a procurarem formação no exterior.
No segundo dia, o congresso centrou-se em temas de grande relevância global, como a obesidade, as migrações e a complexidade dos problemas da saúde. Naja Hulvej Rod, da Universidade de Copenhaga, apresentou uma visão inovadora sobre a abordagem da complexidade dos problemas epidemiológicos e Charles Agyemang, da Universidade de Amesterdão, abordou, por sua vez, a epidemia global de obesidade, com um foco especial no impacto das migrações nas populações africanas.
O terceiro dia do congresso trouxe à discussão questões críticas sobre epidemias e saúde da mulher. David Serwadda, da Universidade de Makerere, revisitou décadas de investigação sobre o VIH e a COVID-19 e recordou as lições aprendidas. Por sua vez, Karen Canfell, da Universidade de Sydney, falou sobre o cancro do colo do útero, explorando o impacto da prevenção do vírus do papiloma humano (HPV) na saúde das mulheres.
O último dia do congresso foi ainda marcado por discussões em torno das alterações climáticas e a sua relação com a saúde pública. Amrish Baidjoe, dos Médicos Sem Fronteiras, apontou as oportunidades e os desafios que as crises humanitárias apresentam para os epidemiologistas, enfatizando a necessidade de desenvolver respostas rápidas e eficazes em cenários de emergência.
A questão das classificações raciais e étnicas na investigação epidemiológica foi também debatida, com uma intervenção de Zinzi Bailey, da Universidade do Minnesota, que incentivou os participantes a refletirem criticamente sobre a utilização destes conceitos na investigação.
A forte participação do ISPUP no WCE2024 ficou ainda marcada pela presença na mostra científica, com um stand que convidava todos os participantes do congresso a conhecerem o trabalho desenvolvido pelo instituto, tanto no campo da investigação, como na educação e na formação avançada.
Com o encerramento do congresso, ficou claro que o WCE2024 foi uma oportunidade para a partilha de conhecimentos, para o estabelecimento de novas parcerias científicas e para o reforço do compromisso do ISPUP com a investigação em epidemiologia para fazer face aos grandes e complexos desafios da saúde local e global.