Atividade física na UE: os governos tomam medidas, mas as pessoas continuam a mexer-se pouco

Portugal registou, nos últimos 10 anos, uma diminuição do número de pessoas que atingem os níveis de atividade física recomendados pela OMS.

O estudo “Physical activity policy implementation and physical activity levels in the European Union: Are we on track to close the gap between policy and practice?” – em que o Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP) participou e que foi publicado recentemente na revista científica Health Policy – analisou a relação entre a implementação de políticas de promoção da atividade física na União Europeia (UE) e os níveis de atividade física da população respetiva, ao longo da última década. Os resultados apontam para um aumento significativo na adoção de políticas nacionais que, no entanto, não teve o impacto esperado nos níveis de atividade física dos cidadãos europeus.

Entre 2015 e 2021, a implementação de políticas para promover a atividade física na UE aumentou, em média, de 63,3% para 76,5%, de acordo com os 23 indicadores do European Union Health-Enhancing Physical Activity Monitoring Framework. Estes indicadores avaliam diversas políticas públicas relacionadas com a promoção da atividade física, desde recomendações nacionais de atividade física para a saúde, até iniciativas para incentivar o uso de bicicletas nas deslocações para o trabalho ou a prática de desporto nas escolas.

Apesar dos esforços governamentais para a implementação de políticas públicas para a promoção da atividade física, o comportamento da população não acompanhou essa evolução. Dados do Special Eurobarometer on Sport and Physical Activity mostram que a proporção de pessoas (com mais de 15 anos) com níveis suficientes de atividade física – de acordo com os mínimos recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) – passou, em média, de 60,6% em 2013 para apenas 61,7% em 2022 – uma diferença sem relevância estatística.

Meta de atividade física da OMS para 2025 não será atingida

A meta estabelecida pela OMS para reduzir a inatividade física em 10% até 2025 parece estar longe de ser atingida em mais de metade dos Estados-Membros da UE. Apenas 13 países da UE estão a registar progressos importantes nessa direção, nomeadamente, Áustria, Bélgica, Bulgária, Chipre, Chéquia, Estónia, Finlândia, Itália, Lituânia, Luxemburgo, Letónia, Países Baixos e Eslováquia​.

Portugal foi o país que registou o maior aumento absoluto (mais de 50%) na implementação de políticas públicas, nesta área, entre 2015 e 2021. Este aumento é atribuído ao aumento da articulação intersectorial e ao investimento em áreas menos desenvolvidas na promoção da atividade física, como a saúde, o local de trabalho, o ambiente, o planeamento urbano e as campanhas de comunicação. Apesar deste progresso, os níveis de atividade física da população portuguesa continuam aquém do desejado. O estudo revela mesmo uma redução no número de portugueses (com mais de 15 anos) que atingem os níveis de atividade física recomendados pela OMS, entre 2013 e 2022.

A equipa que conduziu esta investigação – da qual faz parte o médico e investigador do ISPUP, Romeu Mendes, líder do Laboratório “Atividade física e doenças crónicas não transmissíveis” – aponta vários fatores que podem explicar esta discrepância entre política e prática. Entre eles, destaca a ausência de mecanismos para monitorizar e avaliar a efetividade das políticas implementadas. “Reportar a implementação de uma ação, plano ou programa (que foi a informação que este estudo analisou) não garante a sua operacionalização. E quando, de facto, estas medidas são operacionalizadas é necessário avaliar se atingem o público-alvo definido e se têm impacto nos seus níveis de atividade física. Deveria ser este o ciclo natural das políticas públicas”, refere Romeu Mendes.

Investigadores defendem “reforma profunda” nas políticas de atividade física da UE

Os autores do estudo defendem que as políticas de atividade física na UE necessitam de uma “reforma profunda” para se tornarem mais efetivas. Recomendam a avaliação da qualidade do desenho das próprias políticas, a análise das barreiras à sua implementação, o maior envolvimento de diferentes setores e parceiros e a utilização de ferramentas de avaliação específicas para políticas de atividade física.

Os investigadores chamam ainda à atenção para um dos 23 indicadores utilizados neste estudo, que diz respeito à existência de um mecanismo governamental de coordenação e liderança nacional da promoção da atividade física. Sendo a atividade física um comportamento humano resultante de múltiplos determinantes socioculturais e ambientais, é crucial que as políticas de cada país sejam coordenadas por um organismo intersectorial que inclua os setores governamentais do Desporto, da Educação, da Saúde, de Trabalho, da Solidariedade Social, da Ciência, dos Transportes, do Planeamento Urbano e do Ambiente – garantindo que todos os cidadãos, especialmente os mais vulneráveis, tenham oportunidades para serem fisicamente mais ativos, todos os dias e independentemente do local onde vivem.

Doenças associadas à inatividade física continuam a estar entre as principais causas de morte na Europa

As doenças crónicas associadas à inatividade física – doenças cérebro-cardiovasculares, cancro, diabetes tipo 2, demências, depressão e ansiedade – continuam a ser uma das principais causas de mortalidade na Europa e, por isso, os resultados deste estudo reforçam a urgência de integrar a promoção da atividade física como uma prioridade nos planos nacionais de saúde dos países da UE.

Portugal, por sua vez, tem várias histórias de sucesso nesta área: desde 2016 que a Promoção da Atividade Física é um dos programas de saúde prioritários (Programa Nacional para a Promoção da Atividade Física da Direção-Geral da Saúde), alinhado com o Plano Nacional de Saúde. Desde 2017 que os profissionais dos cuidados de saúde primários têm ao seu dispor ferramentas de avaliação dos níveis de atividade física e comportamento sedentário dos seus utentes e de aconselhamento breve para a atividade física – um dos “Quick-buys” para a prevenção e controlo das doenças crónicas não transmissíveis identificados pela OMS.

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