18 anos da Geração XXI – Nascer e Crescer no início do Milénio

  • Data 10 Abril 2023
  • Categoria Coortes

Hoje, 10 de abril, completa 18 anos a primeira participante cujos pais aceitaram partir nesta viagem a que chamamos coorte Geração XXI. Começamos então a acompanhar os 8647 participantes que nasceram entre abril de 2005 e agosto de 2006 nas maternidades públicas da Área Metropolitana do Porto.

A Geração XXI, essa imensa equipa de crianças nascidas no início deste milénio, foi constituída com o intuito de caracterizar o desenvolvimento pré-natal e pós-natal, identificar os fatores que o promovem, de modo a melhor perceber o estado de saúde na infância, na adolescência e na idade adulta. Para contribuir desse modo na criação de um futuro mais saudável e mais feliz.

Partindo de uma avaliação inicial ao nascimento, alguns participantes foram sendo avaliados aos 6,15 e 24 meses, e todos depois convidados aos 4, 7, 10 e 13 anos de idade para uma avaliação global. Neste mesmo ano de 2023, arrancará uma nova avaliação, aos 18 anos, ou seja, vamos rever-nos para podermos conhecer-nos melhor.

Porque são únicas as coortes de nascimento?

Uma coorte de nascimento, como a Geração XXI, é pensada e implementada para caracterizar o efeito das exposições no período pré-natal e em diferentes momentos críticos da vida pós-natal, no desenvolvimento ao longo da vida, identificando os seus determinantes e permitindo compreender a construção da saúde na infância, na adolescência e, mais tarde, na idade adulta. A relação temporal inequívoca entre essas exposições e as suas consequências, que os estudos de coorte permitem, assegura a identificação de relações      causais – ficamos a saber porquê e até por vezes como ocorrem os problemas de saúde.

As coortes de nascimento, como a Geração XXI, são polivalentes: permitem estudar múltiplas “causas” e múltiplos “efeitos”. Assim, fornecem uma visão integrada e abrangente, permitindo estudar todo o espectro das consequências de uma exposição (fator de risco) quanto todas as componentes causais de uma doença. São, entre os estudos observacionais, os que mais se aproximam do ambiente controlado de uma experiência. Finalmente, ao assegurarem produção científica de grande qualidade, fornecem a melhor evidência para justificar políticas públicas, com particular incidência nestas fases do curso de vida.

O que caracteriza a Geração XXI?

A Geração XXI constitui um esforço único em Portugal, que recrutou, entre abril de 2005 e agosto de 2006, 8647 recém-nascidos nos 5 hospitais públicos com maternidade, da área metropolitana do Porto. Estas crianças foram avaliadas, assim como as suas famílias, aos 4, 7, 10 e 13 anos de vida. Como objetivo central, a Geração XXI melhorou a compreensão das causas e dos mecanismos que estão na base da epidemia de obesidade – avaliando contributos tão diversos (mas interligados) como os do parto por cesariana, da posição social e económica, das experiências de vida adversas, da exposição ambiental, os espaços verdes e a urbanização, ou da dieta e do exercício físico. O contributo destes milhares de pessoas é absolutamente inestimável e uma lição de cidadania e altruísmo.

A Geração XXI é uma estrutura de investigação que acumulou uma quantidade incalculável de informação – tanto reportada como objetivamente medida, apoiada pela colheita e o armazenamento de uma larga diversidade de material biológico (biobanco). É premente garantir as condições para o seu acompanhamento regular e sustentado – nada justifica que se perca esta aproximação de curso de vida de um valor inestimável, capaz de soluções extremamente inovadoras para explicar a produção transgeracional dos estados de saúde.

Hoje, a Geração XXI já se constituiu como uma entidade viva, com um percurso e uma história merecedores de investigação a si dedicada. E assim se respeita e valoriza o esforço destas famílias, único em Portugal.

Quais os principais resultados obtidos até agora?

A Geração XXI, como estrutura de investigação, permitiu até agora publicar uma centena e meia de artigos científicos internacionais e mereceu dezenas de prémios que distinguiram trabalhos desenvolvidos no âmbito da coorte. A Geração XXI serviu de base ao treino de dezenas de investigadores pós-graduados e à investigação conducente às suas teses de mestrado e doutoramento. Médicos e outros profissionais de saúde usaram-na para as suas especializações.

A Geração XXI é uma fonte extraordinária de conhecimento e memória comunitária. Pela sua complexidade e dimensão, encarámo-la como missão solidária, com contributos de diferentes disciplinas científicas e o envolvimento ativo dos participantes e das variadas instituições que compõem a sociedade civil, seja no seu desenho e análise ou na disseminação dos resultados que se produzem.

A Geração XXI representa Portugal em diversos e importantes consórcios europeus de coortes de nascimentos (CHICOS, EUCONET, HabEat, ENRIECO, Lifepath, STOP, Athlete , EUCAN-Connect) e adotou desde início uma política de Acesso Aberto aos dados. Cerca de 30 publicações com autores de mais de uma dezena de países usaram a Geração XXI e constituíram-se uma plataforma colaborativa internacional.

O conjunto de informação recolhida fornece uma descrição muito pormenorizada do crescimento, desde o nascimento até ao fim da adolescência. Foram recolhidos dados únicos para acompanhar métricas de saúde (salienta-se a medição muito detalhada da utilização dos cuidados de saúde e dos seus determinantes) e de natureza social, económica e comportamental, essenciais ainda para avaliar políticas nomeadamente com efeito sanitário, ambiental ou educacional.

Sendo a componente científica central na Geração XXI, podemos desde já identificar como principais contributos:

  • a identificação dos determinantes modificáveis da obesidade;
  • a demonstração do efeito da violência parental na criação de um estado de inflamação crónica;
  • a construção social das escolhas alimentares;
  • o efeito a longo prazo do tabagismo materno, nomeadamente através de uma assinatura epigenética;
  • a influência da proximidade a espaços verdes no desenvolvimento cognitivo;
  • as causas de asma e alergia;
  • a determinação social da infeção por helicobacter pylori (e indiretamente do cancro gástrico);
  • as idades decisivas para o desenvolvimento da dor crónica e as experiências chave que permitem predizê-la.

O que pode agora trazer a Geração XXI de novo?

Pretendemos avaliar novamente os participantes Geração XXI agora na entrada da idade adulta, reforçando os conhecimentos sobre o impacto de exposições ao longo do seu desenvolvimento e relacionando diferentes acontecimentos ou experiências de risco com o estado de saúde. Importa lembrar a evidente capacidade de inferir desta população que, embora geograficamente limitada – como são sempre este tipo de coortes, permite compreender os fenómenos de saúde e doença que investiga e assim inferir para lá de si. Especificamente, com a avaliação de 2023, queremos compreender o efeito e a adaptação destas famílias à pandemia de COVID-19 sob diferentes perspetivas na saúde, naturalmente, mas no mais largo contexto da educação, do emprego ou das relações sociais.

Perante os novos e inesperados desafios que afetaram toda a população portuguesa – fosse a crise económica e financeira, ou sobretudo a pandemia de COVID-19 – a coorte Geração XXI é um observatório ímpar para monitorização descritiva de múltiplos parâmetros de saúde, sociais, comportamentais e até organizacionais, mas sobretudo para compreender as causas da sua evolução. Esta coorte está excecionalmente bem apetrechada para responder à questão do chamada “doença pós-Covid” (Post-Covid conditions) fornecendo elementos para a sua compreensão enquanto entidade nosológica e também dados centrais para planear uma resposta dos serviços de saúde.

Podemos pôr à prova novas hipóteses para explicação de problemas de saúde, através do recurso à extensa base de informação criada no âmbito deste projeto, tanto a partir de inquéritos quantitativos ou aproximações qualitativas quanto recorrendo ao maior biobanco populacional português que com a Geração XXI se constituiu. Julgamos estar numa posição privilegiada para, finalmente, testarmos a ligação automática de registos de saúde que irá permitir um salto qualitativo e quantitativo ao acrescentar, à informação já disponível na Geração XXI, informação colhida por rotina sobre cada participante em fontes distintas.

Estamos prontos para o fazer: temos sistematicamente obtido permissão para esta ligação por parte dos nossos participantes, existem as infraestruturas técnicas devidamente validadas e testadas, as questões éticas e legais foram debatidas, falta apenas ultrapassar as limitações de natureza administrativa que, estranhamente, impedem o processo.

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