Devido à COVID-19, houve um declínio acentuado no número de testes realizados para deteção do VIH, hepatites virais e infeções sexualmente transmissíveis (ISTs), entre março e agosto de 2020, na Região Europeia da Organização Mundial da Saúde (OMS).
A conclusão é de um estudo recente que alerta para o impacto da pandemia no diagnóstico tardio destas infeções. O Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP) é uma das entidades envolvidas na investigação, coordenada pelos membros da iniciativa EuroTEST.
O trabalho, publicado a 26 de novembro na revista Eurosurveillance, apresenta os resultados preliminares de um inquérito online que avaliou o impacto da pandemia de COVID-19 na realização de testes para a deteção do VIH, hepatites virais e Infeções Sexualmente Transmissíveis (ISTs) – clamídia, sífilis e gonorreia – na Região Europeia da OMS, entre março e agosto de 2020.
Estes resultados incluem 98 respostas de indivíduos de organizações não governamentais e de base comunitária, cuidados secundários de saúde e institutos de saúde pública e ministérios da saúde, de 34 países da Região Europeia da OMS, envolvidos no processo de testagem para, pelo menos, uma destas infeções.
Declínio de mais de 50% no volume de testes
95% dos participantes no inquérito mencionaram ter realizado menos testes para todas as infeções, nos primeiros três meses da pandemia, por comparação com o período homólogo de 2019.
69% dos respondentes indicaram uma redução de mais de 50% no volume de testagem, entre março e maio. Já de junho a agosto de 2020, nota-se uma ligeira recuperação. Ainda assim, 58% referiu ter tido uma diminuição no volume de testes realizados, apesar de o decréscimo não ter sido tão severo como na primeira fase.
Como explica Daniel Simões, da Unidade de Investigação em Epidemiologia (EPIUnit) do ISPUP e primeiro autor do estudo, “era expectável encontrar um decréscimo mais acentuado no volume de testagem, durante os primeiros três meses da pandemia, devido ao confinamento. Durante este período, houve medidas mais apertadas, e muitos destes serviços estiveram fechados ou a trabalhar com equipas reduzidas”.
Além disso, houve menos pedidos para marcação de consultas; centros que passaram a apostar na telemedicina e em consultas remotas; redução de financiamento; e laboratórios que, devido à COVID-19, ficaram sem capacidade para oferecer resposta a outras infeções.
Ações para minimizar o impacto da COVID-19 na testagem
Algumas das questões do inquérito estavam relacionadas com medidas implementadas pelas diferentes entidades para mitigar o impacto negativo da COVID-19 no número de testes realizados ao VIH, hepatites virais e ISTs.
Observou-se que mais de metade das organizações passaram a prestar serviço remotamente, via telefone e online. Cerca de 30% dos cuidados de saúde secundários e das organizações de base comunitária apertaram os critérios para a realização de testes (o que excluiu mais pessoas de terem acesso aos mesmos, mas permitiu manter alguma testagem em curso) e mais de 1/3 das organizações de base comunitária viram-se forçadas a referenciar para outros locais. Várias entidades que disponibilizam rastreio para VIH indicaram igualmente ter iniciado distribuição ou referenciação do autoteste para esta infeção (algo pouco comum antes da pandemia).
“Percebemos que várias medidas foram colocadas em marcha na Região Europeia da OMS, mas parecem principalmente focar-se em manter serviços mínimos em funcionamento, e não em recuperar o número de testes perdidos”, nota Daniel Simões.
A chamada de atenção
Os resultados preliminares da investigação intitulada Impact of the COVID-19 pandemic on testing services for HIV, viral hepatitis and sexually transmitted infections in the WHO European Region, March to August 2020 mostram já resultados que preocupam os investigadores.
“Na Região Europeia da OMS, se falarmos de VIH, metade das pessoas é habitualmente diagnosticada tardiamente, e a COVID-19 veio atrasar ainda mais o diagnóstico e o tratamento destas infeções. Nas hepatites virais e ISTs o diagnóstico era também um ponto crítico antes da pandemia, com muita gente por diagnosticar. O diagnóstico e o tratamento tardios de doenças crónicas como o VIH e as hepatites virais podem acarretar consequências de saúde graves a longo prazo para quem vive com estas infeções e não o sabe, e estas diminuições na testagem põem em causa os progressos na resposta a estas infeções na Região”, explica o investigador.
“Com o crescimento de casos de COVID-19, neste outono, na Europa, receamos que a sobrecarga laboratorial afete ainda mais negativamente o sistema de testagem destas infeções, do que nos primeiros meses da pandemia. Neste momento, sabemos que a gestão da COVID-19 é uma das prioridades na Região Europeia da OMS, mas é importante garantir que a resposta a outras doenças infeciosas não fica comprometida”.
O artigo é também assinado por Annemarie Rinder Stengaard, Lauren Combs e Dorthe Raben, e pelo consórcio que desenvolveu o estudo.
Imagem: Nicole Sánchez