Um estudo do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP) avaliou o impacto da pandemia de COVID-19 na saúde mental de um conjunto de cidadãos, maiores de idade, e residentes em Portugal.
Os resultados preliminares da investigação permitiram concluir que, das 929 pessoas participantes no estudo, 26,9% apresentaram sintomas de ansiedade, 7% de depressão e 20,4% manifestaram sintomas de ambos os transtornos, sobretudo após o início da pandemia.
Concluiu-se que as pessoas com idades mais jovens (entre os 18 e os 39 anos), as mulheres, os cidadãos mais escolarizados e que se encontravam numa situação de insegurança alimentar, isto é, que tinham constrangimentos em aceder a alimentos nutricionalmente adequados e seguros para a alimentação diária, devido a questões económicas, apresentaram um risco acrescido de ter sintomas de ansiedade.
O trabalho, desenvolvido pela investigadora do ISPUP, Ana Aguiar, e publicado na revista Journal of Affective Disorders Reports, recolheu informação entre novembro de 2020 e fevereiro de 2021, através de um questionário online com uma amostragem em bola de neve.
A maioria dos respondentes eram mulheres (70.9% da amostra) com um nível de ensino superior (75.4%). Mais de metade (61.3%) tinha idades compreendidas entre os 18 e os 39 anos e a maioria indicou viver na região Norte do país (63.5%). 56% eram solteiros e 43.6% casados.
Constatou-se que 7,9% dos indivíduos que participaram no estudo ficaram desempregados desde que a pandemia de COVID-19 teve início e que 6,8% se encontravam numa situação de insegurança alimentar, ou seja, não conseguiam aceder, por motivos económicos, a alimentos nutricionalmente adequados e seguros para a alimentação diária.
Mais ainda, dos participantes fumadores (22,2%), 33,5% referiram ter aumentado o número de cigarros consumidos por dia, desde que a pandemia iniciou, e, dos 149 respondentes que indicaram tomar ansiolíticos e/ou antidepressivos, 15.4% revelaram ter iniciado a sua toma após a emergência da pandemia de COVID-19.
A investigação, inserida no projeto de doutoramento em Saúde Pública da investigadora do ISPUP, revela que um quarto da amostra (26,9%) apresentou sintomas de ansiedade, e que 23,1% desenvolveu sintomas de ansiedade, mas num nível moderado. 7% dos respondentes apresentaram sintomas de depressão e 17% manifestaram um quadro de sintomas de depressão num nível moderado.
Os autores verificaram que os indivíduos mais jovens, as mulheres, os cidadãos mais escolarizados, as pessoas que estavam e permaneceram empregadas e aquelas que consideram o rendimento do seu agregado familiar como insuficiente ou que necessitam de ter cuidado com os gastos, desenvolveram mais sintomas de ansiedade.
Para Ana Aguiar, uma das possíveis razões para se ter encontrado mais sintomas de ansiedade entre as mulheres mais jovens e mais escolarizadas, pode-se dever ao facto de “esta faixa etária estar mais preocupada com as consequências futuras e os enormes desafios económicos causados pela pandemia. Além do mais, esta classe etária corresponde a uma força de trabalho que é ativa e essencial na sociedade e, portanto, que é mais afetada pelos encerramentos e despedimentos. Sendo mais escolarizadas também estão mais conscientes das consequências nefastas da pandemia”.
A investigadora aponta ainda a elevada acessibilidade a informação presente nas redes sociais como um dos motivos que poderá explicar os níveis altos de ansiedade sentidos entre os mais jovens, algo que foi demonstrado em emergências de saúde pública anteriores.
Já no que diz respeito aos sintomas de depressão, os resultados revelam um padrão ligeiramente distinto, não tendo existido diferenças por género, idade e escolaridade.
A grande maioria dos participantes (521 pessoas, o equivalente a 73,3%) relacionou o agravamento dos sintomas de depressão e de ansiedade com a pandemia. Das pessoas que associaram a existência de sintomas com a pandemia, 184 apresentaram sintomas de ansiedade, 5 pessoas manifestaram sintomas de depressão e 33 sintomas de ambos os transtornos.
Para Ana Aguiar, os resultados deste estudo reforçam a necessidade de investimento na área da saúde mental.
“Com este artigo, concluímos que a pandemia de COVID-19 pode afetar a saúde mental de diferentes subpopulações, como aquelas com idades entre os 19 e os 39 anos e as que têm maior escolaridade. Portanto, na crise atual, torna-se imprescindível identificar quem são os indivíduos mais propensos a desenvolver distúrbios psicológicos, nos vários estratos populacionais. Deve-se falar de saúde mental e continuar a desmistificar e a desestigmatizar este campo da saúde”, aponta.
“Os nossos dados denotam a importância que deve ser dada a esta área, no contexto em que vivemos”, frisa. A investigadora reforça ainda que “em termos de agenda de saúde pública e do país, deve ser dada particular atenção ao peso da incapacidade associada aos transtornos de ansiedade em Portugal”.
O artigo intitulado The other side of COVID-19: Preliminary results of a descriptive study on the COVID-19-related psychological impact and social determinants in Portugal residents contou também com a participação das investigadoras Marta Pinto (Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto), Raquel Duarte (ISPUP e ITR – Laboratório para a Investigação Integrativa e Translacional em Saúde Populacional) e Isabel Maia (ISPUP e ITR).
A investigação faz parte do projeto de doutoramento de Ana Aguiar, que recebeu financiamento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) e do Programa Fundo Social Europeu.