Os animais de companhia, nomeadamente os cães, podem servir como um alerta para o aparecimento de doenças oncológicas no ser humano, uma vez que partilham com a espécie humana a mesma exposição ambiental, sublinha um estudo do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP) e do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS).
Os resultados de investigação agora publicados no “The Veterinary Journal”, inserem-se no domínio da oncologia comparada, um ramo da ciência que procura estudar o cancro em espécies animais, com o fim de estabelecer comparações com o ser humano e auxiliar na pesquisa da doença.
Sabe-se atualmente que cerca de 70% dos casos de cancro são provocados por fatores ambientais, evidenciando o peso dos agentes externos na ocorrência de doenças oncológicas, tanto em pessoas como em animais. Dado que os animais têm uma vida mais curta, podem servir de alerta para perigos de saúde a que a população humana possa estar exposta.
Tendo em conta este dado, o presente trabalho analisou a distribuição geográfica do linfoma não-Hodgkin (uma neoplasia dos linfócitos, as células de defesa do organismo) nos humanos e nos cães da área do Grande Porto e avaliou as suas semelhanças e características epidemiológicas.
“Escolhemos o linfoma não-Hodgkin para este estudo, porque se trata de um cancro que apresenta muitas semelhanças entre humanos e animais, tanto do ponto de vista clínico como do ponto de vista da patologia e da fisiologia, e também por não haver estimativa sobre a incidência deste tipo de linfoma no Grande Porto”, explica Katia Pinello, membro do Departamento de Saúde Pública Veterinária do ISPUP e primeira autora da investigação, coordenada por Augusto Matos, do ICBAS, e por João Niza Ribeiro, do ISPUP e do ICBAS.
Os investigadores fizeram a georreferenciação dos casos deste linfoma em humanos e caninos e constataram que existe uma correlação geográfica, ou seja, onde há uma maior prevalência de casos humanos também o há em cães, sendo as zonas urbanas do Porto, Matosinhos e Maia aquelas que apresentam mais casos de cancro.
“Esta é mais uma evidência que demonstra que, onde existe cancro em seres humanos também existe em cães, pelo que pode haver algum fator ambiental que provoca a doença em ambas as espécies”, refere a investigadora.
O estudo destaca ainda a grande semelhança entre as características epidemiológicas do linfoma canino e do humano. Existe uma maior incidência deste tipo de cancro nos homens e nos machos. Já no que toca ao sexo feminino, o linfoma aparece mais cedo nas cadelas e mais tarde nas mulheres.
De acordo com Katia Pinello, “este trabalho vem reforçar a ideia da importância dos animais enquanto sentinelas para o aparecimento de doenças oncológicas e sublinha a sua relevância para a pesquisa e prevenção do cancro. O nosso objetivo é inserir os animais como um todo no conceito de “One Health” (“Uma Saúde”), que reconhece que a saúde humana, animal e dos ecossistemas está interligada”.
A investigadora acrescenta que é fundamental começar a sensibilizar médicos e ambientalistas para a importância dos animais nesta área. “Da mesma forma que se pergunta aos pacientes se algum familiar tem ou teve um cancro, seria pertinente perguntar se os animais domésticos também têm ou tiveram a patologia. Muitos donos têm repetidamente animais de companhia com cancro e isso pode ser um alerta de que algo possa não estar bem do ponto de vista ambiental. Além do mais, realizar o diagnóstico de cancro ao animal é igualmente importante para se obter mais informações relevantes”, remata.
Futuramente, os investigadores ambicionam aprofundar a linha de investigação em oncologia comparada e criar uma rede de observação das doenças nos animais de companhia, reunindo e analisando mais dados e possibilitando outros estudos comparativos nacionais e internacionais.
O estudo designado Incidence, characteristics and geographical distributions of canine and human non-Hodgkin’s lymphoma in the Porto region (North West Portugal). O investigador Luís Fonseca, da Mapis (Mapping Intelligent Solutions), também assina o trabalho.
Imagem: Pixabay/White77