Instituição Proponente: Faculdade de Letras da Universidade do Porto – FLUP
Instituição Participante: Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto – ISPUP
Investigadora Responsável: Maria Isabel Correia Dias, PhD
Apesar da crescente visibilidade do abuso contra idosos, um problema social e de saúde pública, são poucos os estudos que avaliam a relação entre os maus tratos infligidos aos idosos e o contexto de crise socioeconómica que afetou a Europa, e Portugal em particular. O ponto de partida deste projeto consiste em compreender os efeitos da recente crise económica na saúde e bem-estar da população idosa.
Este projecto de investigação é desenvolvido no âmbito da coorte Portuguesa de base populacional – a coorte EPIPorto. Os principais objetivos deste projeto são avaliar as condições socioeconómicas dos idosos e explorar se o seu declínio ou agravamento tiveram impacto na ocorrência de comportamentos agressivos e abusivos (por exemplo, abuso físico, verbal, financeiro, negligência), analisando também os indicadores gerais de saúde e em que medida o seu agravamento, por força do avançar da idade e de patologias diversas, os torna mais vulneráveis à violência. A análise dos dados será realizada através de uma abordagem de metodologias mistas de forma a responder aos objetivos do estudo.
A equipa integra um conjunto de investigadores provenientes de diferentes unidades de investigação e áreas disciplinares, combinando múltiplas competências e experiências capazes de captar a multidimensionalidade dos objetivos propostos.
Conclusões gerais e recomendações
O grande objetivo de partida do presente estudo foi conhecer as determinantes sociais, económicas e de saúde associadas ao fenómeno do abuso de idosos em contexto de crise socioeconómica que se viveu, em Portugal, sobretudo entre 2008 e 2011. Foi desenvolvida uma abordagem metodológica mista, tendo conduzido à realização, num primeiro momento, de um estudo quantitativo e, posteriormente, de um estudo qualitativo, cujos resultados principais se sintetizam nas presentes conclusões gerais:
- A prevalência de abuso global, independentemente do tipo de abuso, é de 23,9%, ou seja, cerca de 1 em cada 4 inquiridos reporta ter vivenciado, pelo menos, uma situação de abuso nos 12 meses anteriores à aplicação do questionário. Tal significa que embora a prevalência de abusos no presente estudo tenha diminuído ligeiramente quando comparada com os resultados do estudo ABUEL (2009) (Soares et al., 2010), Portugal ainda continua a apresentar uma prevalência alta de abusos contra as pessoas mais velhas.
- Não foram observadas diferenças significativas ao nível da prevalência de abuso entre homens e mulheres, exceto no caso do abuso psicológico (19,9%, n=135), que é o tipo mais frequentemente reportado pelas mulheres. Resultado que pode refletir uma diferença de género apenas na maneira como este tipo de abuso é reconhecido e, portanto, reportado pelo género feminino por comparação com o género masculino (22,7% vs. 15,3%, p= 0,020).
o Os cônjuges/companheiros das vítimas são os principais responsáveis pela violência infligida aos idosos, provocando 28% dos abusos reportados. Mais de
2/3 das vítimas optou por não pedir ajuda ou relatar os incidentes de violência.
- Não existe evidência que sustente que o avançar da idade se traduzirá numa maior vulnerabilidade face ao risco de abuso. A mesma conclusão também se
extrai para o efeito de fatores como a escolaridade, o modelo familiar ou a situação conjugal.
- Embora não seja possível afirmar se a depressão é causa ou efeito dos abusos, os participantes no estudo com sinais de depressão exibem um risco de exposição ao abuso que é mais do dobro daquele identificado para quem não tem depressão. Esta revela-se assim como uma pista para deteção de situações de vulnerabilidade face ao abuso, sobretudo entre os profissionais da saúde.
- Os participantes que exibem um padrão de menor cuidado com a sua saúde apresentam um risco maior, quase três vezes superior, de exposição a situações de abuso. Ou seja, os idosos que apresentam mais sintomas depressivos, que são mais negativos na avaliação do seu estado geral de saúde que falham a toma de medicação ou tratamentos médicos, são aqueles onde as situações de abuso mais ocorrem.
- A vulnerabilidade económica emerge, neste estudo, como o fator de risco mais relevante para o abuso. Aqui os efeitos são muito significantes, com os participantes numa posição menos favorável nos indicadores que medem condições materiais de vida a exibirem um risco substancialmente maior de exposição a situações de abuso; aqueles com maior insegurança económica quase que duplicam o risco de abuso e , por último, aqueles com muito baixa
segurança alimentar exibem um risco de exposição a abuso cerca de 9 vezes superior aos participantes que apresentam muito alta segurança alimentar.
Paralelamente, a existência de um baixo suporte social em torno do idoso faz a probabilidade de ocorrência de abuso triplicar. Portanto, o estudo confirma
a tendência de que a vulnerabilidade social, económica e de saúde está associada a uma maior prevalência de qualquer tipo de abuso contra os idosos
(Fraga et al., 2014; Karanikolos et al., 2013).
- Em suma, os resultados revelam que a crise económica dos últimos anos aumentou significativamente o risco de exposição dos idosos ao abuso, nomeadamente daqueles que já se encontravam em situação de vulnerabilidade económica e de privação material. Evidenciam ainda a existência de efeitos de acumulação de vulnerabilidade em torno da exposição ao abuso, efeito que designamos por concorrência de desvantagem. Assim, defende-se que as políticas públicas no âmbito dos abusos e violência sobre as pessoas mais velhas devem ser orientadas a partir da problemática da vulnerabilidade (Grundy, 2006), com vista a terem em conta, aquando da sua definição, os diversos eixos de desvantagem e desigualdade social que confluem, de forma mais penalizadora, na idade avançada.
Nesta linha teórica, importa insistir nas seguintes recomendações, no plano da intervenção, nomeadamente:
- Elaboração de programas especificamente voltados para os adultos mais velhos vítimas de violência, defendendo-se a especialização da intervenção ao nível da ação médico-social (e.g., serviços de saúde e sociais especializados; provisão mais alargada de cuidados ao nível do apoio psicólogo e mental; aconselhamento e mediação familiar; acolhimento das vítimas em espaços apropriados e seguros).
- Intensificação das ações de formação interdisciplinares e interinstitucionais dirigidas aos profissionais de diversos campos de intervenção (e.g., associações de apoio à vítima, forças policiais, profissionais da justiça, enfermagem, ação social) com vista à implementação bem-sucedida dos procedimentos de triagem e encaminhamento, mas também à melhoria dos níveis de atendimento e comunicação com os cidadãos mais velhos vítimas de violência.
- Promoção de campanhas de autoproteção e de segurança dos mais velhos em contexto familiar, institucional e em espaço público, envolvendo, inclusive, idosos com experiência de vitimização.
- Incremento de campanhas especializadas de combate ao idadismo e à violência em diversos contextos (e.g., comunitário, social, familiar, de saúde, etc.), incorporando outras dimensões como as desigualdades de género, a violação dos direitos humanos, assim como as questões éticas na idade avançada.
- Fomento de processos participativos dos mais velhos em redes sociais e comunitárias enquanto fator protetor do abuso e da violência na idade avançada.
- Promoção de estudos quantitativos (transversais e prospetivos) sobre a prevalência dos diferentes tipos de violência entre os adultos mais velhos em diversos contextos sociais, de forma a permitir a monitorização do fenómeno em algumas coortes populacionais e a identificar necessidades de intervenção. Os referidos estudos devem ser acompanhados por abordagens qualitativas sobre as vivências de abusos, com vista à compreensão, a partir das perspetivas dos mais velhos, dos fatores individuais, psicológicos, familiares, socioeconómicos e de saúde que tornam esta população vulnerável à violência. A conciliação dos dois tipos de estudos, resultará em estratégias de intervenção cientificamente informadas, sendo assim possível definir políticas sociais e de saúde mais ajustadas à gravidade do fenómeno e às necessidades da população mais velha.
Por último, tal como demonstramos antes, a vulnerabilidade na velhice resulta de interações complexas entre a exposição a riscos, a sua materialização e a falta de recursos para lidar com esses riscos (Grundy, 2006). Por isso, ela também é amplamente interpretada como medida de bem-estar, pois reflete as perspetivas futuras dos indivíduos e das políticas públicas que mobilizam recursos para evitar o seu agravamento e a queda das pessoas mais velhas em situações de pobreza, exclusão social e de violência (Chaudhuri, 2003; Lopes, 2011). Por esta razão, os recursos materiais, a família, os amigos, as redes de suporte médico-social e de prestação de cuidados, a saúde (física e mental), as oportunidades de autonomia e de autorrealização surgem como componentes-chave para a promoção da qualidade de vida entre os adultos mais velhos e, por esta, via, para o enfrentamento com sucesso das vulnerabilidades emergentes nesta fase do ciclo de vida (Grundy, 2006; WHO, 2015).