Um estudo assinado por investigadores do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP) avaliou os níveis de matéria particulada (partículas ultrafinas, PM2.5 e PM10), um dos poluentes do ar mais graves em termos de saúde pública, no interior de várias habitações da Área Metropolitana do Porto, e concluiu que a grande maioria das casas apresentava uma deficiente qualidade do ar.
A emissão destas partículas está ligada às atividades dos ocupantes, como a confeção de alimentos, o uso de aromatizadores e o fumo do tabaco, e à proximidade a instalações industriais e circulação automóvel.
O estudo, publicado na revista Environmental Pollution, e integrado no projeto internacional NeoGene: Impacto da exposição transplacentária ao fumo do tabaco no ADN do recém-nascido. Avaliação de dano genético e alterações epigenéticas, avaliou os níveis de partículas ultrafinas, PM2.5 e PM10 no ar interior e na envolvente exterior de 65 habitações da Área Metropolitana do Porto, nos anos de 2018/2019, identificando as características dos edifícios e as principais fontes de poluição.
De ressalvar que apesar de existirem poucos estudos epidemiológicos sobre as partículas ultrafinas (que têm um tamanho 700 vezes inferior ao da espessura de um fio de cabelo), os indícios sobre os seus efeitos nocivos na saúde têm aumentado. Recentes revisões bibliográficas e sistemáticas apontam para efeitos a curto-prazo na saúde cardiovascular, incluindo inflamação pulmonar e sistémica, e no sistema nervoso central. Ainda assim, as diretivas existentes relativas à qualidade do ar (interior e exterior) não abrangem estas partículas.
Como explica Joana Madureira, primeira autora do estudo, coordenado por João Paulo Teixeira, “a abordagem interdisciplinar de diversas instituições científicas, nacionais e internacionais, tem vindo a fazer notáveis progressos no que diz respeito ao impacto das condições ambientais urbanas nos espaços interiores”.
“A população em geral passa grande parte do seu tempo em espaços interiores, especialmente dentro de casa, expondo-se assim a poluentes que podem ter um forte impacto na saúde a curto e a longo-prazo. Por este motivo, quisemos avaliar a concentração de matéria particulada no ar interior de várias residências e identificar as suas principais fontes de emissão, de forma a potenciar ações preventivas e a necessidade de políticas/medidas legislativas que privilegiem medidas de controlo na fonte – que também incluem o planeamento das cidades e do edifício construído – antes de embarcar em ações de remediação”, aponta.
Os investigadores constataram que a maioria das residências apresentava valores médios de PM2.5 e PM10 superiores aos recomendados pela OMS e pela legislação portuguesa. Especificamente, em 75% e 41% das casas, os valores médios de PM2.5e PM10 excederam, respetivamente, os valores limite, o que é um indicador de risco para a saúde dos ocupantes.
Demonstrou-se que as emissões provenientes do tráfego automóvel e das atividades industriais contribuem de forma significativa para a concentração de PM2.5 e PM10 no interior das casas. Já o fumo do tabaco, a confeção de alimentos e o uso de velas, são as fontes de emissão que mais contribuem para o incremento de partículas ultrafinas no interior das habitações.
“De um ponto de vista de saúde pública, e dada a sua carga nociva, a principal preocupação deve ser o controle destas fontes de emissão, que têm origem no interior das casas”, lê-se no estudo intitulado Assessment of indoor air exposure among newborns and their mothers: Levels and sources of PM10, PM2.5 and ultrafine particles at 65 home environments.
Simular a deposição pulmonar de matéria particulada em populações suscetíveis
Depois de terem avaliado a concentração de matéria particulada no ar interior das habitações da Área Metropolitana do Porto, os investigadores conduziram um segundo estudo, publicado na revista Science of the Total Environment, que simulou a deposição de partículas ultrafinas, PM2.5 e PM10 nos pulmões de mulheres e recém-nascidos que habitavam nas casas avaliadas na primeira investigação.
“A via inalatória é atualmente reconhecida como a principal via de entrada de matéria particulada. O diâmetro das partículas inaladas e a sua distribuição granulométrica são fatores determinantes na deposição pulmonar. Embora grande parte dos efeitos na saúde, decorrentes das exposições ambientais, se possam manifestar apenas na idade adulta, sabe-se que os períodos mais sensíveis de exposição correspondem a fases críticas de desenvolvimento, como a gestação e a infância. Por outro lado, dado que em Portugal, são ainda escassos os estudos que estimam a deposição pulmonar da matéria particulada em recém-nascidos, consideramos que esta era uma oportunidade de o fazermos”, explica Joana Madureira, que é também a primeira autora desta investigação, coordenada por Carla Costa.
No artigo, designado Assessment of Indoor Air Exposure at Residential Homes: Inhalation Dose and Lung Deposition of PM10, PM2.5 and Ultrafine Particles Among Newborn Children and Their Mothers, foi simulada a deposição pulmonar em adultos (mães) e bebés recém-nascidos, a partir da informação obtida no primeiro estudo.
A investigação mostrou que os recém-nascidos inalam maiores quantidades de PM10, PM2.5 e de partículas ultrafinas comparativamente com os indivíduos adultos, devido sobretudo ao elevado tempo que passam dentro de casa e ao seu baixo peso corporal.
A simulação computacional de deposição pulmonar permitiu indicar os principais diâmetros aerodinâmicos capazes de alcançar determinadas regiões pulmonares, mostrando que as partículas de menores dimensões (partículas ultrafinas e PM2.5) são mais nocivas para a saúde, uma vez que se depositam nas unidades funcionais do aparelho respiratório, podendo ir até ao pulmão e atingir os alvéolos. Já as de maiores dimensões são normalmente filtradas, ao nível do nariz e das vias respiratórias superiores, podendo, ainda assim, estar relacionadas com irritações e hipersecreção das mucosas.
“Os resultados encontrados revelam que a exposição a material particulado no interior das habitações pode acarretar consequências para a saúde humana. Esperamos que os dados sejam úteis para ajudar a perceber a interação entre o ambiente pós-natal, as caraterísticas individuais e as suas consequências, nomeadamente, no desenvolvimento de doenças”, acrescenta Joana Madureira.
Para a investigadora, “os dois estudos demonstram que a poluição do ar interior continua a ter repercussões graves, sendoas partículas, sobretudo as de menor dimensão, os poluentes que suscitam maior preocupação do ponto de vista da saúde. É, por isso, necessário evitar, prevenir e reduzir as fontes de emissão de partículas, minimizando a exposição a matéria particulada”.
Para além da Unidade de Investigação em Epidemiologia do ISPUP participaram ainda em ambos os estudos o Departamento de Saúde Ambiental do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA, I.P.) e o Laboratório de Engenharia de Processos, Ambiente, Biotecnologia e Energia do Departamento de Engenharia Química da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (LEPABE, FEUP).
Imagem: Pixels/Leonor Faria