Um artigo de revisão não sistemática da literatura, no qual estiveram envolvidos investigadores do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP), sublinha que os determinantes sociais da tuberculose e da COVID-19 colocam em evidência a necessidade de um serviço de saúde universal e de um sistema que assegure a proteção social das populações mais vulneráveis afetadas por ambas as doenças. Os autores apontam ainda um conjunto de boas práticas descritas na literatura que pretendem ajudar os governos e os profissionais de saúde a lidarem com doenças infecciosas emergentes num mundo pós COVID-19.
Intitulada Different disease, same challenges: Social determinants of tuberculosis and COVID-19, a revisão publicada na revista Pulmonology pretendeu descrever “os determinantes sociais por detrás da tuberculose e da COVID-19, analisar as semelhanças entre as duas doenças, e perceber, através da evidência disponível, o que se poderia aprender até agora com as melhores práticas já publicadas para ambas as patologias”, afirma Ana Sofia Aguiar, investigadora do grupo de doenças infecciosas da Unidade de Investigação em Epidemiologia (EPIUnit) do ISPUP, e primeira autora do artigo, em conjunto com Raquel Duarte, médica pneumologista e também membro da EPIUnit do ISPUP.
O que são os determinantes sociais da saúde?
Os determinantes sociais da saúde são fatores do contexto social, ambiental e económico, que afetam a saúde da população, e que podem conduzir a desigualdades em saúde. Incluem a pobreza, a segurança alimentar, as condições de habitação, a educação, o rendimento, o acesso aos serviços de saúde, o isolamento social, a existência de comorbidades (como o VIH, diabetes, doença mental, etc.), o consumo excessivo de álcool, entre vários outros fatores não biológicos que podem condicionar os resultados em saúde.
Muitos dos determinantes sociais acima descritos influenciam o sucesso do tratamento dos doentes com tuberculose e o mesmo se verifica com a COVID-19.
No artigo de revisão, os investigadores mostram que ambas as patologias apresentam semelhanças e partilham vários fatores de risco.
Vejamos alguns exemplos. Tanto a tuberculose como a COVID-19 afetam sobretudo os grupos mais vulneráveis e fragilizados da sociedade – aqueles que têm menores rendimentos, empregos mais precários, educação mais baixa e piores condições habitacionais.
Da mesma forma, ambas as doenças atingem particularmente as pessoas que já têm comorbidades, como cancro, doenças pulmonares, tabagismo, depressão, diabetes e VIH. Além do mais, têm um impacto significativo no sistema económico e nos serviços sociais e de saúde.
A gestão destas duas doenças infecciosas, particularmente a COVID-19, requer uma resposta efetiva e coordenada, que não sacrifique outros serviços médicos essenciais, e que não exclua os grupos mais vulneráveis da sociedade.
Como explica Ana Aguiar, “a proteção contra a perda de rendimentos é um fator importante para seguir os conselhos de saúde pública, tais como ficar em casa quando doente, ou em quarentena após a exposição. As pessoas que vivem num contexto de emprego inseguro, com segurança social deficiente, têm aumentado o risco de infeções e o impacto social da doença”.
Os autores do artigo elencam um conjunto de boas práticas descritas na literatura para a gestão da tuberculose – uma doença com mais anos e mais tempo de estudo – e para o controle da COVID-19, com o intuito de auxiliar os profissionais de saúde que trabalham com doentes afetados por estas patologias, e de informar os decisores sobre ações que devem ser implementadas e reforçadas na gestão de futuras doenças infecciosas.
Boas práticas para a gestão de doenças infecciosas
De entre os bons exemplos, sobressaem a rápida capacidade de resposta dos sistemas de saúde para a gestão da COVID-19, através, por exemplo, da construção de novos hospitais, do aumento do número de camas nas unidades de cuidados intensivos, e do recrutamento de profissionais de saúde reformados e de estudantes de medicina e de enfermagem.
Outro aspeto positivo foi a implementação de sistemas de vigilância epidemiológica eficazes, para garantir o rastreamento atempado dos contactos, algo que já era feito pelos profissionais de saúde da área da tuberculose, e que com a COVID-19 foi aprimorado.
A testagem em massa da população é outro exemplo a seguir e a manter, a longo prazo, assim como o cumprimento das medidas preventivas – utilização de equipamentos de proteção individual, higiene pessoal, nomeadamente a lavagem das mãos e a etiqueta respiratória, o distanciamento entre pessoas e a automonitorização de sintomas, com abstenção do trabalho.
De destacar ainda a melhoria verificada nos cuidados comunitários prestados em casa, com os médicos de saúde pública a fazerem chamadas frequentes para avaliarem o estado de saúde dos doentes; algo que também já acontecia na área da tuberculose, mas que com a COVID-19 se intensificou.
“Todas as boas práticas que elencámos podem e devem também ser aplicadas na gestão de futuras epidemias e pandemias, porque demonstram ser eficazes no controle da propagação da infeção e na gestão de doenças infecciosas”, aponta Ana Aguiar.
A necessidade de uma resposta de saúde global
Os investigadores sustentam que a COVID-19, tal como a tuberculose, veio recordar-nos da importância de, em primeiro lugar, atribuir prioridade à saúde e de alocar recursos financeiros e humanos a esta área. Em segundo lugar, veio reforçar a relevância da Saúde Pública enquanto disciplina, saber e especialidade.
Ambas as doenças colocam em evidência a necessidade de serviços de saúde universais e de sistemas de segurança social que protejam os grupos mais vulneráveis da sociedade, os quais são os mais expostos a estas doenças e também os que mais sentem na pele as suas consequências nefastas, como por exemplo o desemprego.
“A resposta à pandemia de COVID-19 demonstrou que, com vontade política, é possível à comunidade internacional mobilizar recursos, acelerar descobertas no campo científico, e empregar novas ferramentas de saúde pública para combater uma pandemia. As mesmas estratégias devem agora ser utilizadas para a gestão da tuberculose e de outras doenças infecciosas, que afetam os grupos mais vulneráveis da sociedade”, vinca a investigadora do ISPUP.
Ana Aguiar sublinha a necessidade de nos prepararmos para um mundo pós COVID-19, “onde a criação de os sistemas de saúde centrados nas pessoas, e com intervenções orientadas para a comunidade, se tornarão instrumentos vitais para alcançar melhores resultados sanitários, económicos e morais.”
Participam também no artigo os investigadores Marta Pinto, da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da U.Porto e da ARS Norte, Isabel Furtado, do Serviço de Infecciologia do Centro Hospitalar do Porto, Simon Tiberi, do Royal London Hospital – Barts Health NHS Trust, Knut Lönnroth, do Departamento de Saúde Pública Global do Karolinska Institute, e Giovanni Battista Migliori, coordenador do estudo, e Diretor do Centro Colaborador da Organização Mundial da Saúde para a tuberculose e doenças pulmonares em Tradate (Itália).
Imagem: Pixabay/KlausHausmann