Um estudo internacional liderado pelo Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP), e recentemente publicado na prestigiada revista científica The Lancet Public Health, concluiu que as pessoas que vivem em locais mais desfavorecidos têm maior risco de morte, particularmente se também tiverem um nível de escolaridade baixo.
A investigação, desenvolvida ao abrigo do projeto europeu Lifepath – um consórcio financiado pela Comissão Europeia, no qual Portugal participa através do ISPUP – veio comprovar que viver em locais desfavorecidos é prejudicial, particularmente para indivíduos de menor estatuto socioeconómico, que não dispõem de recursos psicossociais e materiais para satisfazerem as suas necessidades e ultrapassarem esta desvantagem.
“Já era consensualmente aceite que morar em locais mais pobres, tipicamente com serviços públicos desajustados, pior qualidade de construção, maiores níveis de poluição e menos espaços de lazer, como áreas verdes, podia ampliar o risco de morte. O que ainda faltava averiguar era se este efeito se fazia sentir de forma igual em todos os residentes, qualquer que fosse o seu estatuto socioeconómico individual”, refere Ana Isabel Ribeiro, primeira autora do estudo, coordenado por Henrique Barros, presidente do ISPUP.
“Avançámos com este trabalho, porque os artigos publicados, até á data, contêm resultados muito díspares e tendem a ser centrados em países anglo-saxónicos descurando a realidade sul europeia, por exemplo”, indica.
Para levarem a cabo o estudo, os investigadores usaram informação de uma amostra bastante ampla: mais de 160 mil pessoas, com uma média de idades de cerca de 50 anos, seguidas ao longo de quase 20 anos, no âmbito de seis coortes (estudos longitudinais) de países pertencentes ao projeto europeu Lifepath.
De Portugal, analisou-se informação dos participantes da coorte EPIPorto, seguida por investigadores do ISPUP. O trabalho analisou ainda dados dos indivíduos que integram as coortes CoLaus (Suíça), E3N (França), EPIC-Turin (Itália), MCCS (Austrália) e Whitehall II (Inglaterra).
“Este é o primeiro estudo a utilizar várias coortes representativas de dois continentes – Europa e Oceânia – que contêm pessoas com diferentes características socioeconómicas e que vivem em países com distintos regimes de assistência social. Todas as coortes estão muito bem estabelecidas e, por acompanharem os indivíduos ao longo de várias décadas usando métodos padronizados sujeitos a um controlo de qualidade apertado, permitem olhar de forma robusta para um importante desfecho em saúde: a morte”, explica Ana Isabel Ribeiro.
Foi analisada informação sobre o nível de escolaridade dos participantes (indicador considerado mais adequado para determinar, nesta faixa etária, a condição socioeconómica das pessoas), o nível de privação socioeconómica do local de residência (medido usando indicadores multivariados), e dados sobre a mortalidade dos mesmos.
Confirmando a hipótese inicial, a investigação concluiu que as pessoas que viviam em locais mais pobres tendiam a apresentar um conjunto de comportamentos e de características prejudiciais para a saúde, como, por exemplo, uma maior ingestão de álcool e consumo de tabaco, comportamentos mais sedentários e obesidade.
No geral, os indivíduos de zonas menos favorecidas tinham um risco de morte 21% superior comparativamente com os que moravam em locais mais favorecidos.
No entanto, o efeito foi diferente de acordo com o nível de escolaridade. Especificamente, as pessoas com menor escolaridade apresentaram um risco de morte significativamente mais alto (mais 31%) do que as que tinham mais estudos, mesmo vivendo no mesmo contexto desfavorecido.
“Percebemos, claramente, que o efeito negativo de viver em sítios desfavorecidos foi mais pronunciado nos participantes com um estatuto socioeconómico mais baixo, o que contribui para aumentar as desigualdades em saúde”, menciona a investigadora do ISPUP.
“Este risco acrescido de viver em locais mais pobres manteve-se, mesmo tendo em conta outras covariáveis que poderiam explicar a existência de um risco de morte aumentado, como o sexo, a idade, o tabagismo, a ingestão de álcool, ou a situação marital”, aponta.
A diferença na mortalidade entre lugares mais favorecidos e desfavorecidos foi mais evidente nas coortes EPIPorto (Portugal), MCCS (Austrália) e Whitehall II (Inglaterra).
Qual a razão? Para os autores, uma das hipóteses mais plausíveis terá que ver com o elevado nível de segregação socio-espacial do local de residência das pessoas das coortes portuguesa e australiana.
“Nestes países, as pessoas mais pobres tendem a viver perto umas das outras e as mais ricas junto de outras que também têm iguais níveis de riqueza, ou seja, há uma grande separação das pessoas no território em função das suas características socioecónomicas. Tal poderá contribuir para que as zonas mais pobres se tornem ainda mais carentes de infraestruturas e, portanto, os efeitos negativos de lá residir podem ser mais acentuados”, aponta a investigadora.
Os autores do trabalho consideram que estes resultados vêm realçar a importância de se atuar a vários níveis, para reduzir as desigualdades em saúde.
“Para além do nível individual, importa agir a nível local, para tentar dotar os espaços mais desfavorecidos de melhores equipamentos e infraestruturas, para que estes se tornem espaços promotores da saúde dos cidadãos. Paralelamente, a um nível mais macro, as políticas sociais devem caminhar no sentido de prestar maior apoio às pessoas, para que os efeitos negativos de viver num contexto desfavorecido não sejam tão acentuados entre quem tem menos recursos”, aponta.
O projeto europeu Lifepath (Lifecourse biological pathways underlying social differences in healthy ageing) terminou no ano de 2019. Foi financiado pela Comissão Europeia, com o objetivo de investigar os mecanismos biológicos através dos quais as desigualdades sociais conduzem às desigualdades em saúde.
Além disso, o estudo Association of neighbourhood disadvantage and individual socioeconomic position with all-cause mortality: a longitudinal multicohort analysis insere-se no projeto “HUG: Os efeitos na saúde da gentrificação, da relocalização e da insegurança residencial nas cidades: um estudo multi-coorte quase-experimental (PTDC/GES-OUT/1662/2020)” e no âmbito dos contratos CEECIND/02386/2018 e CEECIND/01516/2017, financiados pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia.
Imagem: Pixabay/ElenaOlesik