Ser classificado como não elegível para a toma da profilaxia pré-exposição (PrEP) – uma das formas de prevenção do vírus da imunodeficiência humana (VIH), indicada para pessoas que estão em maior risco de contrair VIH – é apenas um marcador a curto prazo de uma menor probabilidade de contrair a infeção.
A conclusão é de um estudo do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP) que considera imperativo criar condições para providenciar a PrEP atempadamente.
Designada Transitions Between Preexposure Prophylaxis Eligibility States and HIV Infection in The Lisbon Cohort of HIV-Negative Men Who Have Sex with Men: a Multistate Model Analysis, a investigação analisou as transições entre estados de elegibilidade para a PrEP e a aquisição de VIH.
A profilaxia pré-exposição (PrEP) consiste no uso de medicamentos antirretrovirais por pessoas que não têm VIH.
Disponibilizada de forma gratuita pelo Serviço Nacional de Saúde, desde 2018, a PrEP existe em forma de comprimidos. Se for tomada de modo correto e consistente é, de facto, bastante efetiva na redução da probabilidade de aquisição de VIH.
A sua prescrição é realizada por um profissional de saúde que avalia o risco de aquisição de VIH e de outras infeções sexualmente transmissíveis, tendo por base um conjunto de critérios.
Estes critérios são clínicos (por exemplo, contraindicações) e comportamentais, ou seja, têm em conta comportamentos que a pessoa teve nos últimos seis meses, e que a podem colocar em maior risco de contrair a infeção, como a prática de sexo sem preservativo, viver com um parceiro VIH positivo que não tem a carga viral suprimida, ser trabalhador sexual e não usar de forma consistente o preservativo.
Tendo em conta que estes comportamentos podem mudar ao longo do tempo, porque as circunstâncias e o contexto de vida das pessoas mudam, também a classificação de elegibilidade para a PrEP vai alterando.
Atendendo a este enquadramento, os autores estudaram as transições entre estados de elegibilidade para a PrEP (ser ou não elegível) e a aquisição de VIH, numa amostra de homens que têm sexo com homens (HSH).
Foram usados dados da coorte de Lisboa dos HSH, um estudo longitudinal, iniciado em 2011, que acompanha homens sem VIH que têm sexo com homens, que fazem o teste para rastreio da infeção no CheckpointLX, um centro de base comunitária em Lisboa.
Estes homens são acompanhados, ao longo do tempo, e deixam de ser elegíveis para seguimento, a partir do momento em que obtêm um resultado reativo para o VIH.
Em cada avaliação, para além do teste, os participantes respondem a um conjunto de perguntas relacionadas com as suas circunstâncias de vida e comportamentos. As respostas permitiram perceber, a cada visita, se estes indivíduos cumpriam ou não os critérios definidos na norma portuguesa para indicação para a PrEP.
Os autores analisaram os dados de 1885 homens que realizaram, pelo menos, duas visitas consecutivas ao CheckpointLX, entre março de 2014 e junho de 2020, e estudaram as transições entre ser elegível ou não elegível para a PrEP e, entre estes estados, e a aquisição de VIH.
Em termos absolutos, houve 640 transições de um estado de não elegibilidade para a PrEP para uma situação de elegibilidade; 782 transições de elegibilidade para não elegibilidade; 11 transições de não elegibilidade para a PrEP e posterior aquisição do VIH; e 36 transições de um estado de elegibilidade para VIH.
Como já era esperado pelos investigadores, houve um maior número de transições para o VIH entre os homens que, na visita anterior, tinham critérios de elegibilidade para a PrEP.
Com o modelo matemático utilizado, os autores conseguiram também estimar a probabilidade de transição entre os vários estados, a 30 dias, a 90 dias, etc.
Verificou-se que, num curto de espaço de tempo, ser considerado não elegível para a PrEP, correspondia efetivamente a uma menor probabilidade de contrair VIH. No entanto, ao longo do tempo, a probabilidade de aquisição da infeção entre os homens que tinham sido classificados como não elegíveis foi-se aproximando da daqueles que tinham sido apontados como elegíveis para a toma do medicamento.
Assim, ser considerado não elegível para a PrEP mostrou ser um marcador apenas de curto prazo de uma menor probabilidade de contrair a infeção.
Paula Meireles, primeira autora do estudo, coordenado por Henrique Barros, entende que “estes resultados mostram a necessidade de agir antecipadamente”.
“Se, numa consulta, o médico ou prescritor considera que um indivíduo não cumpre os critérios para a toma do medicamento, é necessário deixar a porta aberta para fazer uma reavaliação da pessoa, num curto espaço de tempo”, diz.
Paralelamente, “seria importante dar ferramentas às próprias pessoas para que estas avaliem o seu risco e acedam à PrEP atempadamente, se previrem ou planearem alguma alteração nos seus comportamentos ou no seu contexto de vida”, refere.
Outro aspeto a considerar seria não basear a prescrição da PrEP apenas no cumprimento de determinados critérios, mas incorporar a sua prescrição numa estratégia de prevenção, em que cada um consegue iniciar e parar a toma do medicamento, de forma segura, e adequada às suas necessidades.
Para além de Paula Meireles e de Henrique Barros, Carla Moreira (ISPUP), Miguel Rocha (GAT-CheckpointLX) e Michael Plankey (Georgetown University) também participaram no artigo publicado na revista American Journal of Epidemiology.
O trabalho foi apoiado por fundos nacionais da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), no âmbito do projeto UIDB/04750/2020 – Unidade de Investigação de Epidemiologia – Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (EPIUnit) e por fundos do Grupo de Ativistas em Tratamentos (GAT).
Imagem: Pexels/Anna Shvets