Um estudo do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP) procurou analisar o impacto da insegurança residencial na saúde, em adultos com 60 anos ou mais, residentes na cidade do Porto. O estudo concluiu que as más condições habitacionais têm impactos negativos na saúde e na qualidade de vida dos mais velhos.
O estudo Housing Insecurity and Older Adults’ Health and Well-Being in a Gentrifying City: Results from the EPIPorto Cohort Study – que envolveu 600 participantes da coorte EPIPorto e utilizou dados recolhidos em 2022 – procurou estabelecer uma relação entre fatores como as condições de habitação, a acessibilidade económica, a habitabilidade e segurança e estabilidade residencial e os seus impactos em marcadores chave da saúde das pessoas mais velhas, tais como a solidão, a qualidade de vida, a função cognitiva, a perceção do envelhecimento saudável e a qualidade do sono.
A investigação – liderada por Cláudia Jardim Santos, investigadora do Laboratório Saúde e Território, da Unidade de Investigação em Epidemiologia do ISPUP – revelou que mais de metade dos participantes (52,3%) não dispõe de aquecimento em casa (ex. aquecimento central, lareira, ar condicionado). Um número substancial relatou problemas como infiltrações, humidade ou apodrecimento das janelas ou do soalho (17,2%), falta de luz natural (8,0%), ruído proveniente dos vizinhos ou da rua (32,8%) e poluição, sujidade, mau cheiro ou outros problemas ambientais na área (17,5%). Além disso, 11,7% dos participantes referiram a ocorrência de crime, violência ou vandalismo perto da sua residência e 28,3% vivem em situação de sobrecarga financeira por custos relacionados com a habitação, isto é, alocam 40% ou mais do seu rendimento para despesas com a habitação.
Os resultados do estudo indicam que a falta de aquecimento em casa está associada a uma qualidade de vida cerca de 2% inferior. As pessoas que vivem em habitações com infiltrações, humidade ou apodrecimento das janelas ou do soalho apresentam, em média, uma qualidade de vida cerca de 6% inferior, enquanto pessoas que têm luz natural insuficiente em casa mostram uma qualidade de vida aproximadamente 4% inferior. Viver em áreas com ruído está associado a uma qualidade de vida cerca de 3% inferior e a presença de poluição e sujidade está associada a uma diminuição de aproximadamente 3% na qualidade de vida. Por sua vez, a ocorrência de violência, crime ou vandalismo na área de residência associa-se a uma qualidade de vida cerca de 4% inferior, enquanto aqueles que estão sobrecarregados com custos habitacionais apresentam uma qualidade de vida aproximadamente 3% inferior.
Além disso, os adultos mais velhos que viviam sem aquecimento apresentam níveis de solidão aproximadamente 9% superiores. Aqueles que vivem em casas com teto que deixa passar água, humidade nas paredes ou apodrecimento das janelas ou soalho apresentam, em média, um aumento de cerca de 15% nos níveis de solidão. A falta de luz natural em casa está associada a níveis de solidão, aproximadamente, 11% mais altos. Os participantes que residiam em áreas com muito ruído apresentam níveis de solidão superiores em 7% e os que vivem em locais com poluição, sujidade, mau cheiro ou outros problemas ambientais revelaram níveis de solidão 10% mais elevados. Os que vivem em ambientes com violência, crime ou vandalismo também tiveram níveis de solidão 16% superiores. Além disso, a sobrecarga financeira por custos relacionados com a habitação está associada a níveis de solidão cerca de 8% mais altos, o despejo a níveis de solidão 51% mais altos e a mudança frequente de residência a níveis de solidão 17% mais altos.
Os resultados mostraram que a ausência de instalações sanitárias dentro da habitação, como sanita e banho ou duche, está associada a um desempenho cognitivo cerca de 7% inferior. Da mesma forma, o deslocamento forçado está relacionado com um desempenho cognitivo aproximadamente 8% mais baixo.
A perceção de envelhecimento saudável foi menor entre os residentes em áreas de residência com poluição e violência/criminalidade/vandalismo, assim como entre aqueles que mudaram frequentemente de residência. No que diz respeito à qualidade do sono, os dados mostraram que dormir menos do que 7 horas é mais comum nos residentes em habitação social.
Cláudia Jardim Santos, primeira autora deste estudo, coordenado pela investigadora Ana Isabel Ribeiro, reforça que “é fundamental existirem condições habitacionais adequadas, acessíveis e estáveis para um envelhecimento saudável. Tem de haver um investimento em saúde pública para garantir que os idosos tenham acesso a habitação estável, segura, adequada e acessível de forma a mitigar as disparidades de saúde nesta população.”
“Isto poderá ser alcançado através de programas habitacionais que facilitem as reparações necessárias nas residências, políticas que promovam a criação de habitação acessível e medidas que protejam os arrendatários de práticas abusivas por parte dos proprietários”, conclui a investigadora.
A habitação é uma questão central na saúde pública devido aos impactos negativos que condições habitacionais inadequadas podem ter na saúde. Dados nacionais sugerem que formas de insegurança residencial, como o desconforto térmico, problemas nos edifícios (ex.: humidade) e a necessidade de reparações na habitação continuam prevalentes, tornando a insegurança residencial uma preocupação crítica de saúde pública.
Nos últimos anos, este tema ganhou destaque devido ao aumento acentuado dos custos de habitação e à resposta insuficiente das políticas públicas. Entre 2010 e 2022, os preços da habitação na União Europeia subiram expressivamente — as rendas aumentaram em média 19% e os preços de venda de imóveis em 47%, com Portugal a enfrentar uma grave crise da habitação.
“Em 2022, por exemplo, o Inquérito Europeu às Condições de Vida e Rendimento revelou que 16,8% da população da União Europeia vivia em casas sobrelotadas, 9,3% não conseguia aquecer a sua casa de forma adequada e 8,7% gastava 40% ou mais do seu rendimento em custos habitacionais” explicou Cláudia Jardim Santos.
Na cidade do Porto, a crise da habitação acentuou-se após 2013, caracterizada por aumentos abruptos dos preços de habitação, falta de investimento público no parque habitacional e deslocamentos forçados generalizados devido à gentrificação.
Desde 2020, o projeto HUG (PTDC/GES-OUT/1662/2020), coordenado pela investigadora Ana Isabel Ribeiro, avalia os impactos da gentrificação, da relocalização e da insegurança habitacional na saúde das populações residentes na Área Metropolitana do Porto.
Este estudo faz parte deste projeto mais amplo e contou, além das investigadoras Cláudia Jardim Santos e Ana Isabel Ribeiro, com a colaboração das investigadoras Carla Moreira e Ana Henriques.