As cidades e os bairros estão em constante mudança. Após a crise financeira de 2008, muitas cidades europeias enfrentam uma crise habitacional sem precedentes caracterizada pelo aumento do preço da habitação e pela falta de investimento público no parque habitacional, o que tem desencadeado processos de transformação urbana como a gentrificação, a insegurança residencial e a relocalização. A gentrificação é o processo através do qual indivíduos mais privilegiados ocupam bairros antes desfavorecidos. Este processo coloca desafios às famílias no acesso a habitação económica e de qualidade, levando à relocalização dos residentes mais pobres e, consequentemente, a uma mudança drástica nas características físicas e socioculturais dos bairros. Portugal é um dos países mais afetados pela crise habitacional. Em apenas quatro anos, entre 2015 e 2019, os preços das casas aumentaram 40%, com aumentos mais pronunciados nas duas principais cidades, Porto e Lisboa. Com a atual pandemia de COVID-19 prevê-se uma redução do rendimento familiar e um aumento do esforço financeiro com despesas relacionadas com a habitação. Acresce o facto do isolamento social precipitado pela COVID-19 levar a uma maior exposição ao ambiente residencial, o que pode ser crítico para os 15% da população que vivem em habitação precária. Por tudo isso, a provisão de habitação acessível e de espaços residenciais saudáveis é atualmente um enorme problema social e de saúde pública.
A nossa saúde depende de fatores genéticos e comportamentais, mas também dos lugares onde vivemos. Logo, processos de transformação urbana podem trazer ganhos e prejuízos para a saúde da população. Por um lado, a revitalização dos bairros gentrificados produz melhorias na qualidade ambiental e no acesso a serviços, o que poderá traduzir-se em ganhos em saúde. Por outro, as mudanças na composição sociocultural dos bairros e a relocalização forçada podem constituir uma fonte de stress e insegurança residencial. Apesar da relevância e atualidade deste tema, existe uma grande escassez de estudos sobre o impacto dos processos de transformação urbana na saúde e a evidência existente apresenta problemas metodológicos que limitam a sua validade e generalização.
O projeto HUG (antes designado HealthCityGent) é um projeto inovador e multidisciplinar que integra saberes de geografia, sociologia, epidemiologia, planeamento urbano e ciências do ambiente com o objetivo de investigar as consequências da gentrificação, relocalização e insegurança residencial na saúde, usando para tal dados de duas coortes populacionais da Área Metropolitana do Porto (AMP) que atravessam várias fases da vida (infância, idade adulta e velhice). A coorte EPIPorto teve início em 1999 e recrutou 2485 residentes da cidade do Porto usando alojamentos como unidade amostral. A G21 é uma coorte de 8647 recém-nascidos recrutados em 2005/6 nos hospitais da AMP.
Neste projeto iremos medir os níveis de gentrificação, insegurança residencial e mudança socioeconómica dos bairros da AMP ao longo das duas últimas décadas, aplicando métodos estatísticos robustos a dados provenientes do censo e de fontes comerciais e administrativas. Como os participantes das coortes estão georreferenciados, estas exposições serão integradas com a informação acerca da sua saúde física e mental recolhida ao longo da vida. Com base nestes dados longitudinais, e usando os recentes processos de transformação urbana como uma experiência natural, iremos aplicar modelos de regressão de efeitos mistos que comparam o mesmo indivíduo antes e depois da mudança do contexto residência. Visto que os processos de transformação urbana podem ter um maior impacto em certos subgrupos populacionais, iremos também investigar o efeito moderador da posição socioeconómica, do género, da idade, do estado civil e do tipo de ocupação do alojamento. Finalmente, usando equações estruturais, averiguaremos se as associações encontradas derivam da melhoria ou da deterioração da qualidade do ambiente físico dos bairros (ex. espaços verdes, poluição), que será avaliada usando Sistemas de Informação Geográfica e auditoria virtual.
Esta abordagem fortemente quantitativa será suplementada com um estudo qualitativo de base comunitária e participativa, realizado com vista a obter mais profundidade na análise e empoderar os cidadãos. Para tal, iremos realizar entrevistas semiestruturadas e um estudo de Photovoice a uma amostra de participantes, visando recolher as suas experiências e opiniões acerca das consequências sociais, comunitárias e na saúde dos processos de transformação urbana.
O objetivo central do projeto HUG é impactar a comunidade científica através da produção de publicações de elevada qualidade. Porém, uma missão paralela é a participação-cidadã e a transmissão da evidência através de um programa de disseminação rigoroso, de forma a apoiar políticas que promovam ambientes urbanos saudáveis e inclusivos.