Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP/UP); Epidemiology Research Unit - Institute of Public Health, University of Porto (EPIUnit)
O impacto da obesidade no desenvolvimento da doença cardiovascular (DCV) e sua associação com o aumento da mortalidade por todas as causas é consensualmente conhecido. No entanto, alguns indivíduos obesos mostram uma ausência de distúrbios
metabólicos, apresentando um risco de DCV e de mortalidade total comparável ao observado em indivíduos normoponderais. Esse fenômeno tem sido reconhecido entre a comunidade científica como “obesidade metabolicamente saudável” (MHO), apesar de não existirem ainda critérios padronizados para a sua definição.
Além disso, a informação relativa aos benefícios a longo prazo deste fenótipo é ainda escassa e contraditória. Existe evidência crescente de que um dos mecanismos subjacentes a esses diferentes fenótipos pode relacionar-se com a inflamação crónica, mas a utilidade dos marcadores inflamatórios na previsão do risco cardiovascular em idades pediátricas permanece por esclarecer.
Compreender o que protege esses indivíduos obesos de desenvolverem alterações metabólicas adversas é primordial para identificar aqueles que mais poderiam beneficiar com intervenções que visem reduzir o risco e para melhorar os critérios de
estratificação do risco futuro de DCV.
Este projeto tem como objetivo analisar a inflamação induzida pela obesidade e identificar marcadores inflamatórios que permitam predizer o risco cardiometabólico futuro, enfatizando a ocorrência de “obesidade metabolicamente saudável” e “peso normal não saudável”(MUNW). Adicionalmente iremos investigar como a distribuição de gordura corporal (visceral vs. periférica) e a sua evolução a adolescência para a idade adulta determina respostas inflamatórias e o risco cardiometabólico futuro.
Serão objetivos específicos:
1) Entender como a adiposidade (trajetórias e distribuição) ao longo da idade pediátrica se relacionam com diferentes fenótipos de adiposidade (MHO e MUNW) e qual o impacto no risco cardiometabólico;
2) Avaliar a relação entre adiposidade e o perfil de risco cardiometabólico, testando os efeitos diretos e os mediados por processos inflamatórios;
3) Identificar marcadores inflamatórios em idade pediátrica preditores do aumento de risco cardiovascular na idade adulta, que adicionem informação a medidas gerais de adiposidade como o IMC.
O projeto será desenvolvido no âmbito da coorte EPITeen (Epidemiological Investigation of Teenagers Health in Porto), que acompanha indivíduos nascidos em 1990 e inscritos em escolas públicas e privadas do Porto. A avaliação inicial foi realizada em 2003, quando os participantes tinham 13 anos de idade, e foram reavaliados em 2007/2008 e em 2011-2013. A quarta avaliação está atualmente em curso, aos 24 anos de idade. No início do estudo, identificamos 2.787 adolescentes elegíveis e obteve-se uma proporção de participação de 77,5%, semelhante em escolas públicas e privadas (77,9% vs. 77,0%, p = 0,709). A amostra final incluiu 2.159 adolescentes de 13 anos de idade. A percentagem de re-avaliação foi de 79,4% na segunda avaliação e 60% na terceira. A avaliação incluía questionários auto-administrados e um exame físico. Para este projeto, serão utilizados dados recolhidos nas avaliações anteriores. Adicionalmente será recolhida informação sobre novos eventos, nomeadamente dados da história clínica e da história reprodutiva; bem como as alterações dos hábitos alimentares e da atividade física, utilizando um breve questionário auto-aplicado. Tal como em avaliações anteriores, um exame físico será realizado por uma equipa de profissionais de saúde treinados, seguindo os mesmos procedimentos das avaliações anteriores, incluindo antropometria (peso e altura, circunferências corporais e pregas cutâneas) e impedância bioelétrica. Para a avaliação da distribuição de gordura corporal será realizada uma avaliação por absorção de raio-x de dupla energia (DXA). Serão avaliados marcadores inflamatórios (proteína C-reativa de alta sensibilidade, fator de necrose tumoral-α e interleucina-6) em soro recolhido após um período de jejum noturno de 12 horas. Como fatores de risco cardiovascular será avaliado: pressão arterial, glicose, hemoglobina A1c, insulina e o perfil lipídico.
O uso de uma abordagem longitudinal numa coorte de base populacional permitirá uma melhor compreensão dos fenótipos MHO e MUNW, fornecendo importantes contributos para esclarecer a associação entre obesidade e a doença cardiovascular, e sobre o papel da inflamação crónica como mediador dessa associação. O projeto permitirá também melhorar o conhecimento atual sobre estes efeitos num contexto populacional, essencial para a elaboração de medidas preventivas adequadas à população e para estimar o impacto de intervenções de base populacional.