Um estudo do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP) analisou a presença de anticorpos específicos para o vírus SARS-CoV-2, causador da doença COVID-19, numa amostra de trabalhadores da Universidade do Porto, entre maio e julho de 2020 e entre novembro de 2020 e janeiro de 2021.
De acordo com o que era esperado, a presença de anticorpos aumentou de 4,1% para 13,2%, nos períodos analisados, respetivamente. A infeção foi mais frequente entre as mulheres e os trabalhadores com atividades profissionais menos diferenciadas.
Os autores destacam que, mesmo numa população altamente escolarizada como esta, é necessário alertar para a importância de fazerem um teste de diagnóstico da infeção, sempre que tiverem sintomas sugestivos de COVID-19 – uma vez que a maioria dos trabalhadores sem diagnóstico e com anticorpos detetáveis reportou sintomas compatíveis com os da COVID-19.
O trabalho, publicado na revista científica Infectious Diseases, estimou a incidência da infeção numa coorte de 1960 trabalhadores da Universidade do Porto, usando testes serológicos para avaliar a presença de anticorpos específicos para o vírus SARS-CoV-2.
O estudo surge no âmbito de uma iniciativa da Universidade do Porto que tinha como objetivo conhecer mais sobre a frequência da infeção em contexto laboral na Universidade, de forma a averiguar a existência de grupos mais suscetíveis de trabalhadores e possíveis medidas a serem tomadas para minimizar o risco de infeção.
Os testes serológicos são considerados uma ferramenta importante, que permite conhecer melhor a extensão da infeção e estabelecer medidas eficazes perante uma nova emergência de saúde pública, refere Joana Pinto da Costa, primeira autora do estudo e investigadora do ISPUP no laboratório de Epidemiologia das infeções por micobactérias, VIH e outras infeções sexualmente transmissíveis, pertencente ao Laboratório Associado para a Investigação Integrativa e Translacional em Saúde Populacional (ITR).
“Este tipo de testes é muito importante para ajudar a fundamentar medidas de saúde pública, porque sabemos que o número de diagnósticos confirmados por testes PCR subestima, especialmente numa fase inicial da epidemia, a verdadeira extensão da infeção”.
Os trabalhadores foram testados para a presença de anticorpos específicos para o vírus SARS-CoV-2 em dois momentos distintos. A primeira avaliação foi realizada entre maio e julho de 2020, e a segunda entre novembro de 2020 e janeiro de 2021.
Comparando os resultados dos dois momentos de avaliação destes trabalhadores, verificou-se que a seroprevalência, ou seja, a presença de anticorpos específicos para o vírus SARS-CoV-2, aumentou de 4,1% para 13,2%. A incidência reportada entre os dois momentos de avaliação foi de cerca de 20 infeções por mês, por cada 1000 trabalhadores. Os investigadores concluíram que, entre os 1960 trabalhadores testados, a infeção foi mais frequente entre as mulheres e os trabalhadores com atividades profissionais menos diferenciadas.
A fração de trabalhadores que apresentaram anticorpos, apesar de não terem um diagnóstico formal de COVID-19 através de um teste PCR, diminuiu consideravelmente entre as duas avaliações. Tal poderá explicar-se pelo crescente acesso aos testes PCR e a outras ferramentas de rastreio e diagnóstico de infeção, com o avançar da pandemia, e à maior consciencialização da população acerca das particularidades da infeção e do seu diagnóstico.
Ainda assim, entre os trabalhadores que apresentaram anticorpos para o vírus SARS-CoV-2 sem um diagnóstico formal, a maioria reportou ter tido sintomas sugestivos de COVID-19.
“Ficámos surpreendidos com este resultado. Estamos a falar de uma população altamente escolarizada, que esperávamos que estivesse ainda mais consciencializada para a importância da testagem. Tal demonstra que a mensagem para a importância de testar na presença de sintomas, apesar de estes serem pouco específicos, pode não ter sido transmitida de forma eficaz. Há uma tendência para desvalorizar a sintomatologia, uma vez que esta é inespecífica e pode ter diferentes causas”, refere Joana Pinto da Costa.
Os investigadores envolvidos no estudo destacam a necessidade de conhecer melhor as razões que levaram a que os trabalhadores, mesmo estando sintomáticos, não tenham realizado um teste PCR.
“É importante perceber quais as barreiras que poderão estar a impedir esta testagem, mesmo numa população altamente escolarizada e com acesso amplo a informação, pois esta diferença entre evidência de infeção e diagnóstico através da testagem – ou seja, a fração de infeções não diagnosticadas – poderá ser ainda maior na população geral”, conclui a investigadora.
O artigo, coordenado por Henrique Barros (ISPUP) e intitulado Incidence of SARS-CoV-2 infection in a cohort of workers from the University of Porto, Portugal, foi publicado na revista científica Infectious Diseases. Paula Meireles (ISPUP) e Pedro Rodrigues (I3S e ICBAS) também assinam o artigo.
O estudo foi financiado pela Universidade do Porto e apoiado por fundos nacionais da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), no âmbito do projeto UIDB/04750/2020 – Unidade de Investigação em Epidemiologia – Instituto de Saúde Pública da Universidade de Porto (EPIUnit) – e do projeto LA/P/0064/2020 – Laboratório associado para a Investigação Integrativa e Translacional em Saúde Populacional.
A investigadora Joana Pinto da Costa é bolseira de investigação para doutoramento com uma bolsa 2020.08562.BD cofinanciada pelos fundos nacionais da FCT e do Fundo Social Europeu (FSE).