Um estudo do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP) avaliou a relação entre diferentes padrões de consumo de alimentos ultra-processados (AUP) ao longo da infância e as trajetórias de crescimento e adiposidade da infância à adolescência. As conclusões revelaram que um consumo elevado de AUP na infância foi associado a uma maior aceleração no peso corporal, no índice de massa corporal, no perímetro da cintura e na percentagem de massa gorda, na adolescência. Por outro lado, este consumo elevado de AUP na infância traduziu-se numa menor aceleração na altura.
O estudo “Patterns of ultra-processed foods consumption throughout childhood and trajectories of growth and adiposity” – da autoria de Vânia Magalhães, sob orientação de Carla Lopes, investigadoras do Laboratório Nutrição e Saúde Cardiometabólica, da Unidade de Investigação em Epidemiologia do ISPUP – foi o primeiro a avaliar longitudinalmente o efeito cumulativo do consumo de AUP, em diferentes grupos etários durante a infância. A investigação utilizou dados das 8647 crianças da coorte Geração XXI, das avaliações aos 4, 7 e 10 anos de idade. Em cada avaliação de seguimento, o consumo alimentar das crianças foi avaliado através de questionários de frequência alimentar, cujos alimentos foram classificados de acordo com o grau de processamento aplicando a classificação NOVA.
Com base nas respostas dos participantes, foram identificados quatro padrões de consumo de AUP entre os 4 e os 10 anos: “consumo constantemente inferior” – caraterizado por um consumo mais baixo em todas as avaliações (15,4% da amostra), “consumo constantemente intermédio” – caraterizado por um consumo intermédio em todas as avaliações (56,4% da amostra), “transição de consumo inferior para superior” – caraterizado por um consumo baixo aos 4 e 7 anos e elevado aos 10 (17,2% da amostra) e “consumo constantemente superior” – caraterizado por um consumo mais elevado em todas as avaliações (17,1% da amostra).
Para avaliar as trajetórias de crescimento e adiposidade ao longo da infância – medidas pelos indicadores, peso corporal, altura, índice de massa corporal, perímetro da cintura e percentagem de massa gorda – os investigadores consideraram informação desde os 4 aos 13 anos de idade.
Nas crianças avaliadas, verificou-se que, aos 4 anos, 16,9% do peso total dos alimentos que consumiam diariamente eram AUP (282g); aos 7 anos, 19,4% (249g) e, aos 10 anos, 25,6% (413g). Comparando os grupos que consumiam menos e mais AUP, em cada uma das idades, as diferenças foram expressivas: o grupo com “consumo constantemente inferior” registou um consumo de 8% aos 4 anos, 10,2% aos 7 anos e 15,8% aos 10 anos, face a 26,1%, 30,3 % e 38,1%, respetivamente, no padrão de “consumo constantemente superior”. “Curiosamente, não foi encontrado qualquer padrão de diminuição do consumo de AUP ao longo do tempo, o que mostra que estes alimentos têm uma forte posição no mercado, provavelmente devido à sua conveniência e elevada palatabilidade”, observa Vânia Magalhães, primeira autora do estudo.
Avaliou-se, posteriormente, se as trajetórias de crescimento e adiposidade ao longo da infância estavam relacionadas com padrões de consumo de alimentos ultra-processados. Comparado com o “consumo constantemente inferior” de AUP, o padrão de “consumo constantemente superior” foi associado a uma maior aceleração no peso corporal dos 4 para os 13 anos (+120 g por ano), no índice de massa corporal (+0,014 kg/m2 por ano), no perímetro da cintura (+0,23 cm por ano) e na percentagem de massa gorda (+0,20% por ano). Por outro lado, crianças com um padrão de “consumo constantemente superior” de AUP, registaram uma menor aceleração na altura (-0,06 cm por ano), entre os 4 e os 13 anos. O padrão de “consumo constantemente intermédio” de AUP foi associado a uma aceleração superior no peso corporal (+123 g por ano), no perímetro da cintura (+0,12 cm por ano) e na percentagem de massa gorda (+0,15%) comparativamente com o “consumo constantemente inferior” de AUP.
Assim, em comparação com um “consumo constantemente inferior” de AUP durante a infância, um “consumo constantemente superior” e, em menor grau, um “consumo constantemente intermédio”, associaram-se a piores trajetórias de crescimento e adiposidade, nomeadamente peso corporal, altura, índice de massa corporal, perímetro da cintura e percentagem de massa gorda, até à adolescência. “Os nossos resultados mostraram que a dose e duração da exposição a AUP contribuem para piores trajetórias de crescimento e adiposidade nestas idades”, conclui Vânia Magalhães, primeira autora do estudo.
Nos últimos anos têm sido observadas alterações globais nos padrões alimentares, com destaque para o aumento do consumo de AUP. Os AUP são alimentos produzidos industrialmente, formulados com substâncias derivadas de alimentos naturais ou sintetizados a partir de outros compostos orgânicos e aditivos cosméticos, projetados para serem altamente lucrativos, convenientes e hiperpalatáveis. Têm sido associados a efeitos nocivos para a saúde, embor os mecanismos pelos quais isso acontece ainda não sejam completamente claros. Podem estar relacionados com a elevada densidade energética e o teor de açúcares livres destes alimentos, mas outros mecanismos têm sido propostos os justificar: as alterações da matriz alimentar, causadas por processamentos agressivos (por exemplo, a extrusão) que podem impactar a digestibilidade e a absorção dos nutrientes; a alteração na textura, que pode levar a uma maior velocidade do consumo e, consequentemente, maior ingestão; a possível contaminação dos alimentos por migração de compostos da embalagem (como é o caso do bisfenol A) e, também, a contaminação por substâncias que resultam do próprio processamento, como a acroleína, acrilamida e ácidos gordos trans e a presença de aditivos alimentares, em particular os cosméticos como os corantes, adoçantes e intensificadores de sabor, que têm sido associados a efeitos negativos para a saúde, nomeadamente na microbiota intestinal e inflamação. “Além disso, estes fatores podem combinar-se e potencialmente ter um efeito sinérgico”, explica Vânia Magalhães. A investigadora reforça, por isso, que “são necessárias intervenções precoces que limitem o consumo de AUP, para promover um crescimento adequado, nas crianças e nos jovens.”