Os resultados do rastreio serológico conduzido pelo Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP) a 4429 trabalhadores de três instituições de ensino superior público do Porto – a Universidade do Porto (U.Porto), o Politécnico do Porto (P.Porto) e a Escola Superior de Enfermagem do Porto (ESEP) – entre 21 de maio e 20 de julho, mostraram que 40 (0,9%) terão estado em contacto com o vírus e apresentam anticorpos da classe IgG – anticorpos de maior duração, que o organismo começa a produzir após a resposta imunitária inicial, feita com anticorpos da classe IgM. Se considerarmos a presença de IgG e/ou anticorpos da classe IgM, esse valor sobe para 3,8%.
Estes são os resultados do programa de rastreio, ainda em curso, que visou a deteção da presença de anticorpos específicos para o vírus SARS-CoV-2. Estes anticorpos servem para medir a extensão da infeção numa determinada população, sendo úteis para aferir o nível de imunidade populacional, apesar de não se saber ainda se a infeção confere imunidade.
No estado atual do conhecimento, o valor de 0.9%, embora mais conservador, será o que melhor refletirá a presença de uma resposta imune ao contacto com o vírus prolongada no tempo. Dos 131 participantes que apresentavam IgM como único marcador de contacto com o SARS-CoV-2, nenhum foi positivo na pesquisa que se efetuou por zaragatoa oro e nasofaríngea, recorrendo a RT-PCR.
Cerca de um mês após a pesquisa inicial, 72 dos 131 trabalhadores (55%) foram reavaliados: 50 permaneciam com a IgM positiva (69%), 4 apresentaram anticorpos IgG (5,6%), e em três continuou presente a IgM. Não é possível à luz do conhecimento atual explicar se estes resultados correspondem a testes falsos-positivo ou se expressam de forma especial o contacto com o agente infecioso.
Os testes utilizados apresentavam uma sensibilidade de 95,7% e uma especificidade de 96,7% (de acordo com o fabricante). Na avaliação realizada, em 101 soros de pessoas com teste PCR positivo com mais de 15 dias de doença e em 66 soros colhidos há mais de 10 anos, o valor de sensibilidade foi de 80% e o de especificidade foi 98,5%.
Dos 40 trabalhadores (0,9%) que apresentaram anticorpos IgG específicos para o vírus SARS-CoV-2, a mediana de idades foi de 56 anos. 20 eram mulheres, 3 tinham o ensino básico e 23 eram doutorados.
Estes resultados demonstram um contacto com o vírus entre os trabalhadores do Ensino Superior Público do Porto menor do que o que já foi encontrado em outras amostras, sejam da população universitária ou geral, e em Portugal e no estrangeiro. Tal poderá ser explicado pelo facto de no Ensino Superior uma proporção muito elevada dos trabalhadores ter estado, e permanecer, em regime de teletrabalho.
Há diferenças nas características dos trabalhadores que tiveram um resultado reativo para os anticorpos pesquisados quando comparados com os restantes.
Entre os 40 trabalhadores que apresentaram anticorpos da classe IgG, 16 nunca tinham feito o teste RT-PCR de pesquisa do vírus. Cinco tinham feito o teste, mas fora negativo, e 19 já tinham tido diagnóstico de infeção por SARS-CoV-2. Como na amostra total havia 21 pessoas com diagnóstico prévio de infeção efetuado com PCR, isto significa que só 90,5% dos casos COVID-19 tinham anticorpos IgG. Estes dois casos não apresentaram nem IgG nem IgM.
Relativamente à presença de sintomas entre os 0,9% que testaram IgG positivo, observou-se que 6 mencionaram nunca ter tido sintomas sugestivos de COVID-19, desde janeiro de 2020, 9 tinham tido sintomas ligeiros (um ou dois dos seguintes sintomas: tosse, dispneia, odinofagia, cefaleias, vómitos ou náuseas, diarreia, cefaleias, astenia ou febre) e 22 tinham estado sintomáticos (pelo menos três dos sintomas descritos anteriormente, ou a diminuição de olfato ou paladar).
Aos participantes que apresentavam sintomas sugestivos de COVID-19 ou contactos de risco foi proposta a realização do exame de deteção do vírus por zaragatoa (colheita de exsudado da oro e nasofaringe). Durante o período do rastreio, foi recomendada a realização do teste de deteção do vírus a seis trabalhadores que, apesar de não terem tido um teste reativo para a pesquisa de anticorpos, apresentavam sintomas sugestivos de COVID-19, dos quais um teve diagnóstico de infeção.
Prevalência de anticorpos IgG de acordo com características dos trabalhadores do Ensino Superior Público do Porto
A prevalência de anticorpos IgG cresceu com a idade, sendo maior entre os participantes entre os 60-69 anos (1.4%) e com idade igual ou superior a 70 (2.7%) do que nos restantes grupos etários. Foi maior em homens (1.3%) do que nas mulheres (0.7%), e entre os trabalhadores com o ensino básico (1.5%) ou o doutoramento (1.3%). A prevalência foi também maior nos participantes que não tinham nacionalidade portuguesa (2,1% versus 0,9%).
Entre os 21 trabalhadores que tinham tido um diagnóstico anterior de infeção por SARS-CoV-2, 90.5% tinham a IgG positiva. Entre os 207 que tinham feito um teste RT-PCR anteriormente, mas não tinham tido infeção confirmada, a prevalência de anticorpos IgG foi de 2.4%, e entre os restantes que nunca tinham feito esse teste a prevalência foi de 0.4%.
Os trabalhadores com história de contactos com caso confirmado tiveram uma prevalência maior de IgG do que os sem contactos conhecidos com casos confirmados (6.8% vs. 0.6%). O mesmo se verificou entre os que tinham estado em vigilância pelas autoridades de saúde por serem contacto próximo com algum caso confirmado (14.8% vs. 0.4%).
A prevalência de anticorpos IgG também foi mais alta entre os trabalhadores que manifestaram sintomas sugestivos de COVID-19 desde janeiro de 2020: 2.3% entre os que tiverem pelo menos três dos sintomas descritos anteriormente ou a diminuição do olfato ou paladar. Entre os assintomáticos a prevalência foi de 0.4%. Se se considerarem apenas os sintomas percebidos como fora do habitual ou súbitos, 3.8% dos sintomáticos tiveram um resultado reativo para a presença de anticorpos IgG.
Próximo passo
O próximo passo é fazer uma avaliação seriada dos participantes que agora testaram positivo, por forma a perceber quanto tempo durarão estes anticorpos no organismo.