Genética ou ambiente: qual dos dois tem maior influência nos comportamentos alimentares das crianças?
Um estudo do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP) concluiu que, apesar de a genética influenciar fortemente os comportamentos alimentares das crianças, já aos 10 anos, o ambiente em que elas se inserem pode moldar a sua predisposição quanto ao apetite. Os autores destacam a importância de se implementarem intervenções de saúde pública relacionadas com boas práticas alimentares, no início da vida, dado que neste período os mais novos são mais permeáveis à influência do ambiente que os rodeia.
O estudo Genetic and environmental contributions to variations on appetitive traits at 10 years of age: a twin study within the Generation XXI birth cohort envolveu 86 pares de gémeos participantes na coorte Geração XXI – um estudo longitudinal do ISPUP que segue, desde 2005, um conjunto de participantes que nasceram nas maternidades públicas da Área Metropolitana do Porto – com o objetivo de compreender de que forma a genética e o ambiente explicam a variabilidade de comportamentos alimentares nas crianças.
Segundo Sarah Warkentin, primeira autora do artigo, coordenado pela investigadora do ISPUP, Andreia Oliveira, responsável pelo laboratório Comportamentos alimentares e obesidade infantil, do Laboratório associado para a Investigação Integrativa e Translacional em Saúde Populacional (ITR), “decidimos avançar com esta investigação, porque sabemos, através de estudos realizados com gémeos, no Reino Unido, que a genética tem um peso importante na explicação dos diferentes comportamentos alimentares das crianças e que a sua influência parece aumentar com a idade”.
“Em Portugal, não existia, até à data, nenhum estudo que explicasse qual a contribuição da genética e do ambiente na variação dos comportamentos alimentares das crianças. Por isso, quisemos analisar esta relação numa amostra de gémeos portugueses, em idade escolar”.
O estudo analisou os comportamentos alimentares de 86 pares de gémeos, com 10 anos de idade, através de um questionário preenchido pelos pais.
Foram avaliados oito comportamentos relacionados com a alimentação: o prazer em comer, a resposta à comida, o desejo por bebidas, a sobre-ingestão emocional (quando se ingere mais alimentos, devido a emoções negativas), a resposta à saciedade (por exemplo, deixar comida no prato), a ingestão lenta, a seletividade alimentar (quando se é bastante seletivo quanto ao que se come) e a sub-ingestão emocional (quando se ingere menos alimentos, devido a emoções negativas).
Verificou-se que, aos 10 anos, a genética tem uma importante influência em todos os comportamentos alimentares estudados, influenciando comportamentos como o prazer em comer, o desejo por bebidas, a sobre-ingestão emocional e a resposta à saciedade. A exceção foi a sub-ingestão emocional, que parece ser um comportamento mais influenciado pelo ambiente.
Sarah Warkentin explica que “apesar de os comportamentos alimentares das crianças serem muito influenciados pela genética, o ambiente em que elas se inserem pode, no entanto, moldar a sua predisposição quanto ao apetite. Assim, mesmo que uma criança tenha uma predisposição genética para ingerir mais alimentos em resposta a estados emocionais negativos ou para comer em excesso, se o ambiente em que vive for promotor de uma alimentação saudável, ela pode ter um peso adequado, apesar da sua predisposição genética para o excesso de peso, por exemplo”, concretiza.
Os investigadores destacam o início da vida como o momento ideal para moldar a predisposição genética das crianças quanto ao apetite. Até porque, mais tarde, com o aumento da autonomia da criança, a genética vai ganhando um peso maior e o ambiente envolvente um peso menor, sendo mais difícil alterar comportamentos alimentares pouco adequados.
E o que pode ser feito? “No início da vida, seria importante apostar em intervenções que trabalhem a família como um todo”, indica a investigadora do ISPUP. “Aumentar a disponibilidade de alimentos saudáveis em casa, e utilizar estratégias como a exposição constante a fruta e hortícolas, poderá, por exemplo, ajudar a criança a ser menos seletiva quanto ao que come. Adicionalmente, os pais devem dar o exemplo, praticando também uma alimentação saudável”.
Já fora do ambiente familiar, também as escolas podem dar um contributo, disponibilizando um ambiente promotor de saúde, e ensinando os alunos sobre práticas alimentares adequadas. “Tudo isto pode moldar a predisposição genética das crianças quanto à maior procura por comida, comportamento que poderá ter como consequência o excesso de peso”, diz.
Resumindo, apesar de existir uma predisposição genética para certos comportamentos alimentares, é possível alterar comportamentos inadequados, promotores de excesso de peso e de obesidade, através da modificação do ambiente em que a criança se insere, desde idades precoces.
A investigação publicada na revista Eating and Weight Disorders – Studies on Anorexia, Bulimia and Obesity é também assinada pelos investigadores Milton Severo (ISPUP), Alison Fildes (Universidade de Leeds) e Andreia Oliveira (ISPUP).
O estudo foi financiado pelo FEDER, a partir do Programa Operacional Factores de Competitividade – COMPETE e de financiamento nacional da Fundação para a Ciência e Tecnologia – FCT (Ministério da Educação e Ciência de Portugal), no âmbito dos projetos “Appetite regulation and obesity in childhood: a comprehensive approach towards understanding genetic and behavioural influences” (POCI-01-0145-FEDER-030334; PTDC/SAUEPI/30334/2017) e “Appetite and adiposity—evidence for gene–environment interplay in children” (IF/01350/2015).
Imagem: Unsplash/Kelly Sikkema